ANÁLISE DO PROJETO DE LEI nº 1.252 de 2019 – passe livre às pessoas com deficiência no transporte aéreo de passageiros
O PL em objeto visa alterar a Lei nº 8.899/1994 que prevê a concessão de passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual.
A Lei supramencionada já teve sua constitucionalidade discutida no STF pela ADI nº 2.649[1], na qual decidiu-se, por maioria de votos, julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade para declará-la constitucional. Decidiu-se pela inexistência de ofensa à livre iniciativa, uma vez que empresa voltada à prestação de serviço público não dispõe de ampla liberdade para prestação que lhe foi outorgada, mas, sujeita-se a um regime de iniciativa de liberdade regulada nos termos da lei e segundo as necessidades da sociedade. A livre iniciativa funciona como garantia de liberdade empresarial para atividades que sejam estritamente dessa natureza.
Entendeu-se, também, que a Lei nº 8.899/1994 obedeceu ao princípio da igualdade, na medida em que deu tratamento distinto aos usuários do sistema de transporte para igualá-los no direito de acesso ao serviço.
Explicou-se, ainda, que não se trata de ação de seguridade social, disposta no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal. A seguridade social compõe-se de um conjunto integrado de ações de iniciativa e prática do Poder Público e da sociedade destinadas a assegurar a saúde, a previdência e a assistência social, e, para ser realizada, necessita de respectiva fonte de custeios, sem a qual o benefício se frustrará.
Como a gratuidade em análise não onera os cofres públicos, tampouco necessita de fonte de custeio, entendeu-se não ser caso de benefício de seguridade social.
Decidiu-se então, que não há prejuízo financeiro das empresas transportadoras de passageiros, uma vez que os ônus decorrentes da gratuidade aos portadores de deficiência serão repassados aos usuários pagantes, não sendo suportados pelas empresas.
De acordo com a Senadora Mara Gabrilli (PSDB/SP), autora do projeto, a Lei 8.899/94 que prevê a obrigatoriedade das empresas permissionárias e autorizatárias de transporte interestadual de passageiros a reservar dois assentos de cada veículo, destinado a serviço convencional, para ocupação das pessoas beneficiadas, não atingiu seu objetivo principal.
Tanto é que a referida Lei foi ajustada diversas vezes. A primeira pelo Decreto 3.961/2000 e, posteriormente, o Ministério dos Transportes editou 3 (três) portariasversando sobre o tema, expostas abaixo, em ordem cronológica, complementando a Lei em estudo – são elas a Portaria Interministerial nº 3/2001, que estabeleceu a concessão do Passe Livre às pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes, no sistema de transporte coletivo interestadual, nos modais rodoviário, ferroviário e aquaviário, e determinou a reserva de dois assentos em cada veículo ou embarcação do serviço convencional de transporte interestadual de passageiros.
Em seguida, a Portaria nº 261/2012, que condicionou a concessão do benefício à comprovação da deficiência por meio de atestado médico e de renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo por integrante.
E, por fim, a Portaria nº 410/2014, por força da decisão proveniente da Ação Civil Pública nº 0052380-68.2010.4.01.3400[2], promovida pelo Ministério Público Federal em face da União, estabeleceu os quesitos para terem direito ao passe livre de seus acompanhantes.
É considerado pessoa portadora de deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.[3]
O STJ, no julgamento do REsp nº 1.155.590/DF[4], interposto pelo Ministério Público do Distrito Federal em face de 03 (três) companhias aéreas, entendeu por não estender o benefício ao transporte aéreo, considerando que o rol é taxativo, não cabendo, portanto, interpretação extensiva à Portaria Interministerial nº 003/2001, que estabelece a gratuidade para pessoas carentes nos modais rodoviários, ferroviário e aquaviário.
Destaca-se, também do voto do Ministro Relator que, interpretação diversa estaria ultrapassando a função do Poder Judiciário, invadindo uma função do legislador.
Logo, conforme se infere do voto, tal direito não foi concedido por ausência de previsão do mesmo, ou seja, de forma proposital, o legislador não incluiu o transporte aéreo na Lei, não cabendo uma interpretação hermenêutica, vez que decidindo a favor do REsp, legislaria de forma positiva, cabendo essa implementação única e exclusivamente pelas vias legislativas.
Assim, o intuito do PL é para que a Lei 8.899/94 passe a constar de forma clara os parâmetros para concessão do benefício, garantindo o acesso gratuito da pessoa portadora de deficiência, carente, e seu acompanhante (desde que comprove necessitar de acompanhante e que este seja carente), aos meios de transporte explorados pela União, seja terrestre, aéreo, ou naval.
Por fim, objetiva o acesso da pessoa com deficiência em ônibus leito ou semi leito, e/ou possa realizar o trecho pretendido de avião nos casos em que significar sua melhor ou única opção.
O PL tramita no Senado, tendo sido aprovada pela Comissão de Direitos Humanos, e foi recebido para analise junto a Comissão de Assuntos Econômicos em 14/05/2019. O Projeto pode ser enviado para uma ou mais comissões, onde será examinado e receberá um parecer. Posteriormente, retorna ao Plenário para votação. Se aprovado pelo Senado ou pela Câmara, a matéria é remetida à outra Casa, na condição de órgão revisor. Caso esta o modifique, a proposição retorna à Casa de origem.
Caso aprovado, o PL, salvo melhor juízo, não causará impacto financeiro às companhias, mesmo que se obrigadas a disponibilizar dois assentos em cada voo destinado aos tutelados no PL, o suposto impacto é sanável com o repasse aos demais usuários, embutindo-se no preço da passagem, o que ocorrerá de forma natural, como já é feito pelas empresas de ônibus.
Destaca-se também que, caso não sejam requeridos até 48 (quarenta e oito horas) antes da data da viagem, os assentos reservados poderão ser comercializados normalmente.
Bernardo Matos de Souza
(31) 3261-8083
—————————————-
[1] STF ADI 2649. Relatora Min. Carmem Lúcia, Data de Julgamento: 08/05/2008
[2] ACP 0052380-68.2010.4.01.3400. Justiça Federal. 4ª Vara Federal Brasília. Julgada em 28/02/2013
[3] Art. 2º da Lei nº 13.146/2015.
[4] STJ. REsp 1.155.590/DF. Relator Min. Marco Buzzi, Data Julgamento 07/12/18
O CONFLITO DE COMPETÊNCIA NO ÂMBITO DA LEI 11.101/05
A Lei Federal nº 11.101/05 instituiu procedimento próprio, que detém uma estrutura processual um pouco diferente do convencional. Guardando as devidas peculiaridades, é certo que o processo Recuperacional e falimentar não se estrutura na tripartição de sujeitos, estabelecendo a relação processual entre o autor, o réu e o juiz.
Isto é, não há especificamente um polo ativo (autor) e passivo (réu), mais sim, de um lado o devedor e de outro os credores. Assim, no topo da pirâmide se encontra a tutela jurisdicional, ou melhor, o juiz responsável pela condução legal do processo.
José da Silva PACHECO a define com precisão:
“[…] a jurisdição, como expressão da soberania do Estado e atividade específica do Poder Judiciário, encontra, na organização deste, as limitações impostas pelos preceitos de competência interna, de modo que cada órgão judiciário, inclusive o juiz de primeiro grau, tem os seus poderes jurisdicionais restritos aos que a ordem jurídica lhe atribui.” [1]
Com este entendimento, podemos compreender o problema a ser abordado, em que, atualmente, o Superior Tribunal de Justiça está próximo de decidir. Assim, o juízo competente para determinar a realização de atos de constrição ou alienação de bens do patrimônio do devedor, no caso em que admitido o pedido de recuperação judicial, seria aquele no qual se processa a recuperação judicial ou o próprio juízo de uma ação de recuperação de crédito em curso?
PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUÍZOS DE DIREITO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. ART. 49, § 3º, DA LEI N. 11.101/2005. BENS ESSENCIAIS ÀS ATIVIDADES ECONÔMICO-PRODUTIVAS. PERMANÊNCIA COM A EMPRESA RECUPERANDA. ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/2005. RETOMADA DAS EXECUÇÕES INDIVIDUAIS. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. Com a edição da Lei n. 11.101, de 2005, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial, é competente o respectivo Juízo para prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor. 2. Aplica-se a ressalva final contida no § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005 para efeito de permanência, com a empresa recuperanda, dos bens objeto da ação de busca e apreensão, quando se destinarem ao regular desenvolvimento das essenciais atividades econômico-produtivas. 3. No normal estágio da recuperação judicial, não é razoável a retomada das execuções individuais após o simples decurso do prazo legal de 180 dias de que trata o art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005. 4. Agravo regimental desprovido INCLUIR A REFERÊNCIA DO ACÓRDÃO (STJ AgRg no CC: 127629 MT 2013/0098656-6, Relator: Ministro João Otávio de Noronha, Data de Julgamento 23/04/2014, S2 – Segunda Seção, Dara de Publicação: DJe 25/04/2014).
Inicialmente, importante pontuar que o artigo 3º da Lei de Recuperação Judicial e Falência delimita o juízo competente para processar e julgar o feito recuperacional. Determina, deste modo, que a “Ação” processar-se-á no “principal estabelecimento”, cujo significado foi delineado, pela Jurisprudência e Doutrina, como o local em que se realizam o maior número de negócios, desenvolvem-se as atividades principais, independentemente de ser o local da sede administrativa, constante nos atos constitutivos.
Deste modo, definida a competência para conduzir a lide, tem-se pela sujeição, ao Juízo Recuperacional, de todos os créditos constituídos até a data do pedido, nos moldes dispostos no art. 49, caput, da Lei Federal nº 11.101/2005.
Veja-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DEVEDORA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. EVENTO ANTERIOR AO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO. ART. 49, CAPUT, DA LEI Nº 11.101/2005. SENTENÇA POSTERIOR IRRELEVANTE. PRECEDENTES. 1. “Para os fins do art. 49, caput, da Lei 11.101/05, a constituição do crédito discutido em ação de responsabilidade civil não se condiciona ao provimento judicial que declare sua existência e determine sua quantificação. Precedente.” 2. “Na hipótese, tratando-se de crédito derivado de fato ocorrido em momento anterior àquele em que requerida a recuperação judicial, deve ser reconhecida sua sujeição ao plano de soerguimento da sociedade devedora.” (REsp 1.727.771/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018) 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1739988/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 29/04/2019, DJe 02/05/2019).
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA DO TRABALHO. JUSTIÇA DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRABALHISTA. SERVIÇO PRESTADO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXISTÊNCIA. SUBMISSÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. POSTERIOR SENTENÇA DECLARATÓRIA DO CRÉDITO. ATO JUDICIAL QUE DECLARA O CRÉDITO JÁ EXISTENTE EM TÍTULO JUDICIAL. CONFLITO CONHECIDO E PROVIDO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. 1. O art. 49 da Lei 11.101/2005 prevê que “estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”, o que conduz à conclusão de que a submissão de um determinado crédito à Recuperação Judicial não depende de provimento judicial anterior ou contemporâneo ao pedido, mas apenas que seja referente a fatos ocorridos antes do pedido. 2. O art. 7º da Lei 11.101/2005 afirma que o crédito já existente, ainda que não vencido, pode ser incluído de forma extrajudicial pelo próprio Administrado Judicial, ao elaborar o plano ou de forma retardatária, evidenciando que a lei não exige provimento judicial para que o crédito seja considerado existente na data do pedido de recuperação judicial. 3. O crédito trabalhista, relativo ao serviço prestado em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, submete-se ao respectivo procedimento e aos seus efeitos, atraindo a competência do Juízo da Recuperação Judicial, para processar a respectiva habilitação, ainda que de forma retardatária. Precedentes da Terceira Turma. 4. Conflito conhecido e provido para declarar competente o Juízo da Recuperação Judicial. (CC 139.332/RS, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, Julgado Em 25/04/2018, Dje 30/04/2018).
Salienta-se ainda que, por força do disposto no art. 6º , caput, da Legislação Especial, suspendem-se as ações e execuções em trâmite em face da Recuperanda. É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, que as execuções fiscais em face de Empresa em recuperação judicial não se suspendem.
Porém, ao dispor sobre atos constritivos da execução fiscal, verifica-se que estes não podem prosseguir enquanto vigente o Plano de Recuperação Judicial.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AGRAVO INTERNO. EXECUÇÃO FISCAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRÁTICA DE ATOS EXECUTÓRIOS CONTRA O PATRIMÔNIO DA RECUPERANDA. LEI N. 13.043/2014. MANUTENÇÃO DO ENTENDIMENTO DA SEGUNDA SEÇÃO. 1. A Segunda Seção decidiu que “inexiste ofensa à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF) e desrespeito à Súmula Vinculante n. 10/STF na decisão que reconhece a competência do Juízo da recuperação judicial para o prosseguimento de execução fiscal movida contra a empresa recuperanda. Esta Corte Superior entende que não há declaração de inconstitucionalidade nesse caso, e sim interpretação sistemática dos dispositivos legais sobre a matéria” (AgRg no CC 128.044/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, SEGUNDA SEÇÃO, DJe de 3/4/2014). 2. As causas em que figurem como parte ou assistente ente federal relacionado no inciso I, do art. 109, da Constituição Federal, são da competência absoluta da Justiça Federal ou de Juízo investido de jurisdição federal, não se sujeitando os créditos tributários federais à deliberação da assembleia de credores à qual submetido o plano homologado pelo juiz estadual. 3. Contudo, conquanto o prosseguimento da execução fiscal e eventuais embargos, na forma do art. 6º, § 7º, da Lei 11.101/2005, deva se dar perante o juízo federal competente – ao qual caberão todos os atos processuais, inclusive a ordem de citação e penhora -, a prática de atos constritivos contra o patrimônio da recuperanda é da competência do Documento: 80775231 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 27/02/2018 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça Juízo da recuperação judicial, tendo em vista o princípio basilar da preservação da empresa. Precedentes. 4. Agravo interno não provido (STJ AgInt no CC: 144157 SP 2015/0296252-0, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Data de Julgamento: 26/04/2017, S2 – Segunda Seção, Data de Publicação: DJe 03/05/2017).
Entretanto, há ressalvas para determinados créditos que, por força de Lei, não participam do concurso de credores, denominados de extraconcursais. São eles: (i) de natureza fiscal(art. 6º, § 7º); (ii) aqueles constituídos após a data do pedido de recuperação; e (iii) aqueles previstos no art. 49, §§3º e 4º, da LRF.
Assim, os créditos fora do concurso de credores devem ser executados nos juízos de origem, já que, como a própria Lei define, não compõem o plano de recuperação da sociedade. Partindo-se desta premissa, temos como exemplo, o conflito de competência instaurado em decorrência do REsp. 1.694.316[2]. Em resumo, a Fazenda Nacional pretendia obter provimento jurisdicional que determinasse que a competência para execução das medidas expropriatórias em face da Empresa em Recuperação, é pelo próprio juízo onde tramita o feito.
Considerando estas inúmeras demandas existentes sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça instituiu o Tema 31, em que será decidido por meio do julgamento dos REsp. 1.694.261[3] e 1.694.316[4], selecionados para o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que representam divergência de entendimento entre sessões do Superior Tribunal de Justiça sob a forma como deve ser fixada a competência para análise e operacionalização dos atos executórios em face de uma Empresa em recuperação judicial.
Assim, em síntese, o tema versa sob a possibilidade da prática de atos constritivos em face da Recuperanda, no bojo de ação deexecução fiscal (crédito extraconcursal). Nos autos de origem, a Fazenda Nacional visava cobrar os créditos inscritos em Dívida Ativa da União. Contudo, ao intentar penhora de ativos financeiros da companhia, entendeu o Tribunal Regional Federal da 3ª Região que esta medida seria gravosa, acarretando a redução do patrimônio da Executada/Empresa em Recuperaçãoe assim, comprometeria o plano de recuperação judicial, o que levou ensejou a discussão sobre o tema.
Em parecer técnico, o Ministério Público Federaladuziu que se o ato que determinou a medida expropriatória for anterior ao deferimento da recuperação judicial, deverá a execução autônoma seguir no Juízo de Origem, do contrário, caso seja posterior ao deferimento do procedimento, deverá ser de competência do Juízo Recuperacional.
Todavia, não há decisão colegiada e que represente definição consolidada para o tema, mas apenas o paradigma abaixo descrito.
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SUBMISSÃO À REGRA PREVISTA NO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. PROPOSTA DE AFETAÇÃO COMO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRÁTICA DE ATOS CONSTRITIVOS.1. Questão jurídica central: “Possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal de dívida tributária e não tributária”. 2. Não obstante a afetação do tema já tenha ocorrido, verifica-se que os casos selecionados referem-se à execução fiscal de dívida tributária, embora não tenha havido tal delimitação na fixação da questão jurídica central. Nesse contexto, a fim de que não haja controvérsia quando da aplicação da tese jurídica central a ser definida por esta Seção, impõe-se a afetação de outros recursos (REsp. 1.760.907/RJ, REsp. 1.757.145/RJ, REsp. 1.768.324/RJ e REsp. 1.765.854/RJ), que se referem à execução fiscal de dívida não tributária. 3. É certo que, se a Corte Especial entender, eventualmente, que cabe à Segunda Seção o julgamento de “toda e qualquer questão que, no âmbito de uma execução fiscal, repercutisse na recuperação judicial da executada” (IUJur no CC 144.433/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/03/2018, DJe 22/03/2018), será necessária a remessa de todos os recursos especiais às Turmas que integram aquele Órgão Julgador, inclusive dos casos afetados ao regime dos recursos repetitivos. Contudo, essa possibilidade não afasta a competência atual da Primeira Seção nem impede a afetação do presente caso. 4. Recurso especial submetido ao regime dos recursos repetitivos (afetação conjunta: REsp. 1.694.261/SP, REsp. 1.694.316 e REsp. 1.712.484/SP – execução fiscal de dívida tributária; REsp. 1.760.907/RJ, REsp. 1.757.145/RJ, REsp. 1.768.324/RJ e REsp. 1.765.854/RJ – execução fiscal de dívida não tributária). REFERENCIAR (STJ – ProAfr. no REsp.: 1694316 SP 2017/0226711-8, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 20/02/2018, S1 – Primeira Seção, Data de Publicação: DJe 27/02/2018.)
Ressalte-se trecho do voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze:
Conclui, neste cenário, pela “extrema e urgente necessidade de que a matéria seja apreciada pela Corte Especial do STJ, na medida em que, enquanto a 2ª Seção continua a aplicar o entendimento de que e ‘o deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos de constrição ou de alienação devem-se submeter ao juízo universal (AgRg. no CC 136.130/SP), a 1ª Seção, sobretudo através da 2ª Turma, tem divergido expressamente de tal orientação”
Deste modo, há que se considerar algumas prerrogativas para tomar um lado nesta discussão. Seria, todo ato constritivo, prejudicial ao andamento e cumprimento do plano de recuperação judicial? No entendimento Doutrinário, seria o Juízo Universal apto a decidir sobre estes pontos?
Ainda assim, importante salientar que apesar do Legislador atribuir a competência ao Juízo da Recuperação Judicial, esta somente se apresenta no “Capítulo V – Da Falência”, disposto no artigo 76º[5]. Posto isto, a partir de um pensamento lógico hermenêutico, há de se dizer em Juízo Universal somente no âmbito da Falência. Caso fosse de interesse, o Legislador teria feito alusão a este princípio nos capítulos destinados a Recuperação Judicial.
Deste modo, em virtude da publicidade processual, todos os Juízos interessados no andamento da recuperação judicial teriam acesso às informações necessárias para decidir sobre a afetação da medida expropriatória. Tendo como referência os laudos técnicos e pareceres realizados no decurso do feito.
Assim, temos um Procedimento que está em fase de crescimento e amadurecimento, que trata dos mais variados casos de sociedades inadimplentes, que não cumprem com sua função social, ou seja, mal geridas, mal administradas e que podem causar um impacto financeiro, social e econômico muito profundo nas localidades em que estão instaladas
De igual modo, é um meio para resolução da controvérsia a criação de câmaras especializadas para aprofundamento técnico e jurídico de questões e magistrados que se envolvam nos procedimentos da lei 11.101/05, objetivando sua máxima eficiência na aplicação do procedimento, como já vem se movimentando os Tribunais.
João Victor Couto
(31) 3261-8083
[1] PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. Forense. Rio de Janeiro. 2013.
[2] DJe 22.03.19
[3] REsp nº 1694261 / SP, Min. Mauro Campbell Marques – Primeira Seção, Direito Tributário
[4] REsp nº 1694316/SP, Min. Mauro Campbell Marques – Primeira Seção, Direito Tributário
[5] Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
INFLUÊNCIA DA MÍDIA NAS DECISÕES DO JUDICIÁRIO
O presente informativo visa abordar a crescente influência da mídia nas decisões proferidas pelo judiciário, já que, diante da globalização e dos avanços tecnológicos, o acesso à informação se tornou mais fácil e menos restrito, com uma maior disseminação de conteúdos.
Primeiramente, importante destacar que a Constituição da República dispõe, em seus artigos 5º, inc. IV, IX, XIV e 220, §1º e §2º, sobre o direito ao acesso à informação, sobre a liberdade de manifestação do pensamento, a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença.
Porém, existem momentos em que o direito ao acesso à informação e a liberdade de manifestação extrapolam e ferem princípios como a presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII, CF/88) e a violação da vida privada (art. 5º, inc. X, CF/88).
Desta forma, nota-se que os princípios da liberdade de expressão e o direito à informação não devem ser absolutos, devendo ser utilizada a ponderação (ALEXY, 2005, p.163)e a otimização dos princípios (ALEXY, 2008, p. 103-104), a fim de compatibiliza-los com as normas jurídicas que visam à proteção do ser humano em sua intimidade, bem como os princípios do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, inc. LIV e LV, CF/88).
Neste ponto, mostra-se necessário que os veículos de informação ajam com ponderação ao abordarem alguns assuntos, principalmente os que envolvem fatos criminosos. Isto se deve à facilidade de propagação das ideias formadas e veiculadas por estes, vez que “crimes são fatos noticiáveis por natureza, não podendo ser tratados como questões estritamente privadas. E, por fim, há evidente ‘interesse público’ na sua divulgação, inclusive como fator inibidor de trangressões futuras” (BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula, 2003, p.100)[1]. Logo, a circunspecção deve ser feita a fim de resguardar a vida privada dos envolvidos, sem que haja o cerceamento do direito à informação e censura, ou seja, evitando que um direito fundamental sobressaia sobre outro.
Embora seja “assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (art. 5º, inc. V), alguns danos são de impossível retratação dado que a opinião pública já fora formada e os protagonistas já tiveram um julgamento de mérito feito pela sociedade, muitas vezes, condenando-o injustamente de forma irreversível. E, ainda que haja a retratação da informação ou do dano, esta não possui o mesmo impacto que o anúncio, visto ser inegável que situações sensacionalistas possuem maior repercussão, e, consequentemente, maior venda do conteúdo.
Lado outro, é sabido que tem se tornado cada vez mais comum a disseminação das chamadas “fake news”, algumas vezes com dolo e outras pela desinformação de quem compartilha. Isto acontece, pois, embora o objetivo midiático seja noticiar algum acontecimento relevante, a imprensa frequentemente opta por apresentar os fatos de maneira sensacionalista, que, certamente, venderá mais conteúdo e terá maior repercussão, ainda que possa ser responsabilizada pelos danos causados. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou súmula que dispõe sobre a responsabilidade civil dos veículos de imprensa em relação aos danos causados pelas publicações de sua responsabilidade:
“Súmula 221, STJ: São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.”
Neste sentido, em diversas ocasiões a mídia pode pecar pelo excesso de informação ou influenciar o julgamento popular desmedido e acabar por culminar em injustiças.
Em 2008 houve o sequestro da jovem de 15 anos, Eloá Pimentel, tendo como responsável pelo cárcere seu ex namorado e motoboy Lindemberg Alves. Com intuito de, não só informar a sociedade, mas obter conteúdo midiático de alta repercussão, uma jornalista empreendeu esforços e entrou em contato com o autor do crime durante o ato, identificando-se como negociadora. Ao fazer isto, resta claro que foi criada uma situação de risco desnecessária, como demonstrado pelo ex comandante do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), Rodrigo Pimentel, em entrevista dada ao Portal Terra:
A Sonia Abrão, da RedeTV, a Record e a Globo foram irresponsáveis e criminosas. O que eles fizeram foi de uma irresponsabilidade tão grande que eles poderiam, através dessa conduta, deixar o tomador das reféns mais nervoso, como deixaram; poderiam atrapalhar a negociação, como atrapalharam… O telefone do Lindemberg estava sempre ocupado, e o capitão Adriano Giovaninni (negociador da polícia militar) não conseguia falar porque a Sonia Abrão queria entrevistá-lo. Ele ficou visivelmente nervoso quando a Sonia Abrão ligou, e ela colocou isso no ar. Impressionante! O Lindemberg falou: ‘’quem são vocês, quem colocou isso no ar, como conseguiram o meu telefone?’’.
Outro caso seria o da Escola de Educação Infantil Base cujos profissionais que lá trabalhavam foram fortemente abordadas pela mídia após denúncias de abuso sexual envolvendo-os. Houve uma grande queda na credibilidade mesmo sem ter havido provas concretas do suposto crime (RIBEIRO, 2000, p. 43).
Cita-se ainda caso da mãe, Daniele Toledo, presa injustamente sob acusação de assassinato por suposta adição de droga na mamadeira de sua filha de 1 ano.
Como bem colocado pelo jurista Francisco Carnelutti:
“Basta apenas ter surgido a suspeita, o imputado, sua família, sua casa, seu trabalho, são inquiridos, requeridos, examinados, despidos, na presença, de todo mundo. O indivíduo, desta maneira, é transformado em pedaços. E o indivíduo, recordemo-nos, é o único valor que deveria ser salvo pela civilidade” (CARNELUTTI, 2006, P.67)
E elucidado por Edilsom Farias:
“No Brasil, é comum observar-se o lamentável espetáculo de pessoas apontadas como autoras de infrações à lei procurando desesperadamente fugir das câmeras de televisão ou detentos coagidos para ser filmados nas celas das delegacias de polícia. Verifica-se semelhante procedimento vexatório na imprensa escrita, principalmente em jornais que estampam em suas páginas policiais fotografias de “criminosos” às vezes seminus. Porém, fotografar ou filmar pessoas detidas ou suspeitas de perpetrarem infrações à lei, sem o consentimento das mesmas, além de constituir violação do direito à imagem daquelas pessoas, expõe ainda à execração pública cidadãos que geralmente não foram julgados e condenados por sentença transitada em julgada, sendo, pois, presumidamente inocentes (CF, art. 5º, LVII)” (FARIAS, 2000, p. 155).
No caso “Isabela Nardoni” (processo nº 274/08, do 2º Tribunal do Júri de São Paulo), por exemplo, o voto proferido pelo Desembargador Caio Eduardo Canguçu de Almeida abordou expressamente a influência do clamor social sobre o caso.
No acordão de ementa “LIBERDADE PROVISÓRIA – Benefício pretendido – Primariedade do recorrente – Irrelevância – Gravidade do delito – Preservação do interesse da ordem pública – Constrangimento ilegal inocorrente.” (In JTJ/Lex 201/275, RSE no 229.630-3, 2a Câm. Crim., rel. Des. Silva Pinto, julg. em 09.06.97), aquele julgador afirma:
“Mas, se um e outro, isto é, se clamor público e necessidade da preservação da respeitabilidade de atuação jurisdicional se aliarem à certeza quanto à existência do fato criminoso e a veementes indícios de autoria, claro que todos esses pressupostos somados haverão de servir de bom, seguro e irrecusável fundamento para a excepcionalização da regra constitucional que presumindo a inocência do agente não condenado, não tolera a prisão antecipada do acusado.”
“Há crimes, na verdade, de elevada gravidade, que, por si só, justificam a prisão, mesmo sem que se vislumbre risco ou perspectiva de reiteração criminosa. E, por aqui, todos haverão de concordar que o delito de que se trata, por sua gravidade e característica chocante, teve incomum repercussão, causou intensa indignação e gerou na população incontrolável e ansiosa expectativa de uma justa contraprestação jurisdicional. A prevenção ao crime exige que a comunidade respeite a lei e a Justiça, delitos havendo, tal como o imputado aos pacientes, cuja gravidade concreta gera abalo tão profundo naquele sentimento, que para o restabelecimento da confiança no império da lei e da Justiça exige uma imediata reação. A falta dela mina essa confiança e serve de estímulo à prática de novas infrações, não sendo razoável, por isso, que acusados por crimes brutais permaneçam livre, sujeitos a uma conseqüência remota e incerta, como se nada tivessem feito.”
Quando se trata de crimes de competência do Tribunal do Júri, a influência da mídia é ainda mais acentuada e límpida, já que os jurados do Conselho de Sentença são pessoas leigas e podem proferir seus votos com base no livre convencimento, sem que seja necessária a fundamentação da decisão. Diverge, então, do objetivo principal do Tribunal do Júri, pois, como externalizado por Fernando Capez:
“a finalidade do Tribunal do Júri é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando-se como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares.” (CAPEZ, 2009, p. 630)
Há ainda situações em que o veículo massivo de informações poderia contribuir de forma positiva, como no de Daniella Perez (processo n° 4.330/93, do 2° Tribunal do Júri do Rio de Janeiro), que, após tamanha comoção social em virtude de seu assassinato, possibilitou a inclusão, através da Lei 8.930/1994, do homicídio na Lei de Crimes Hediondos.
Noutro ponto, nota-se que já é consolidado e banalizado o fato de casos de grande repercussão terem julgamentos diferenciados. Por exemplo, nos autos do HABEAS CORPUS N.º 46.191-PE, publicado no DJU de 13.03.06, o relator Ministro Gilson Dipp se demonstra contra decisões fundadas em comoção social, vejamos:
“A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica dos delitos, bem como a credibilidade do Poder Judiciário e repercussão social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto, que não a própria prática delitiva. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal. O simples fato de se tratar de crime hediondo, por si só, não basta para que seja determinada a segregação, pois, igualmente, exige-se convincente fundamentação. Precedentes do STF e do STJ. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional, para revogar a prisão preventiva decretada contra o paciente, determinando- se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.”
Com os fatos aludidos, é possível afirmar que a mídia, por seu poder e enorme alcance, tem potencial para proporcionar, por muitas vezes, um julgamento prévio da sociedade, sendo capaz de influenciar nas decisões proferidas pelos magistrados, podendo ser, inclusive, comparada a um 4º poder diante sua capacidade punitiva, como nos exemplos supracitados”, vejamos o que afirma Judson Pereira de Almeida:
Na sociedade brasileira atual, Direito Penal e Mídia possuem uma relação muito próxima. As pessoas se interessam por informações que dizem respeito à burla das regras penais. A imprensa, portanto, não tem como ficar alheia ao interesse causado pelo crime, mesmo porque a imprensa é o “olho da sociedade”. Jornais impressos, revistas, o noticiário televisivo e radiofônico dedicam significativo espaço para este tipo de notícia. Acontece que, muitas vezes, a divulgação reiterada de crimes e a abordagem sensacionalista dada por alguns veículos de comunicação acabam por potencializar um clima de medo e insegurança. A criminalidade ganha máxime e a sociedade começa a acreditar que está assolada pela delinquência. Cria-se uma falsa realidade que foge aos verdadeiros números da criminalidade (ALMEIDA, Judson Pereira, 2007, p. 33).
Assim, resta evidente tal influência em casos a serem apreciados pelo judiciário. Em que pese ter caráter positivo em alguns casos, a influência deve ser ponderada, sobretudo quando representarem riscos à lisura e à segurança do ordenamento jurídico.
Diante disto, a fim de solucionar, ou ao menos amenizar todos os inconvenientes causados às vítimas do julgamento midiático errôneo, que tiveram suas imagens veiculadas, a sua vida privada violada e decisões rigorosas em seu processo, surge a necessidade de uma fiscalização mais pontual em respeito ao disposto no art. 5º, V, obrigando, de certa forma, que os veículos retratem na mesma intensidade em que afirmam as falsas acusações.
Ainda, deve ser criada legislação específica para casos de veiculação das “fake news”, visando uma punição mais severa, bem como arbitradas indenizações compensatórias condizentes com a gravidade da situação, buscando atenuar a dor e o desconforto gerado pelo dano.
Como entende o STJ no REsp 1.330.028-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva:
“Não se desconhece que, em se tratando de matéria veiculada em meio de comunicação, a responsabilidade civil por danos morais exsurge quando a matéria for divulgada com a intenção de injuriar, difamar ou caluniar terceiro. Além disso, é inconteste também que as notícias cujo objeto sejam pessoas notórias não podem refletir críticas indiscriminadas e levianas, pois existe uma esfera íntima do indivíduo, como pessoa humana, que não pode ser ultrapassada. De fato, as pessoas públicas e notórias não deixam, só por isso, de ter o resguardo de direitos da personalidade. Apesar disso, em casos tais, a apuração da responsabilidade civil depende da aferição de culpa sob pena de ofensa à liberdade de imprensa. Tendo o jornalista atuado nos limites da liberdade de expressão e no seu exercício regular do direito de informar, não há como falar na ocorrência de ato ilícito, não se podendo, portanto, responsabilizá-lo por supostos danos morais.”
Sendo assim, conclui-se que a mídia pode ser considerada responsável por parte das decisões do judiciário, uma vez que, a partir da formação da opinião da sociedade, a pressão social aumenta e toda responsabilidade recai sobre o responsável pela condução do processo, ferindo também o princípio da imparcialidade ao determinar uma linha de raciocínio para o julgamento.
Laura Mohallem
(31) 3261-8083
———————————————–
Referências utilizadas:
ALEXY, Robert. Sobre a estrutura dos princípios jurídicos. In: Revista Internacional de
Direito Tributário, Belo Horizonte: ABRADT/Del Rey, v. 3, jan.-jun. de 2005, p. 155-167.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de comunicação de massa e o Direito Penal: a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal. Vitória da Conquista-BA: 2007. Monografia Científica em Direito na FAINOR-Faculdade Independente do Nordeste.
BARROSO, Luís Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. Colisão entre liberdade de expressão e direitos da personalidade. Critérios de ponderação. Interpretação constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa. RTDC, vol. 16, out/dez 2003
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo – Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Ed. Saraiva, 2.a ed., 2010. Livro em PDF. Paginação Irregular. P. 354
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. São Paulo: Saraiva, 2009. p.630
CARNELUTTI, Francesco, As Misérias do Processo Penal, São Paulo: editora Pillare, 2006, p.67
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos – A Honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. 2ª edição atualizada. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris Editor, 2000.
MACHADO, Fernanda da Silveira. Análise sobre garantismo penal e a sua observância (ou não) pela mídia: um estudo de caso. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/analise-sobre-garantismo-penal-e-a-sua-observancia-ou-nao-pela-midia-um-estudo-de-caso/116122/#ixzz3LVTTaOD3 Acesso em: 11/jun/2019
RIBEIRO, Alex. Caso Escola Base: Os abusos da imprensa. São Paulo: Editora Ática, 2003.
Sentença do processo nº 274/08, do 2º Tribunal do Júri de São Paulo. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-nardoni.pdf Acesso em: 25/jun/2019
STJ – REsp 1.082.878-RJ, DJe 18/11/2008; e REsp 706.769-RN, DJe 27/4/2009. REsp 1.330.028-DF, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em 6/11/2012. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/abril-pedro-cardoso.pdf Acesso em: 25/jun/2019
Habeas Corpus N.º 46.191-PE, DJU 13.03.06. Disponível em: http://www.trf5.jus.br/data/2017/02/PJE/08094318720164050000_20170203_155069_40500007642596.pdf. Acesso em: 25/jun/2019
A RELATIVIZAÇÃO DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA NA EXECUÇÃO CIVIL LASTREADA EM TÍTULOS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS
A Lei Federal nº 8.009/90 dispõe, especificamente, sobre a impenhorabilidade do imóvel familiar, assim entendido como aquele em que reside o Devedor e sua família. A finalidade essencial da Norma é, em resumo, a proteção do Devedor, possibilitando que a “Ação” de natureza executiva não enseje a sua ruína, permitindo-lhe condições mínimas de vida.
Trata-se, portanto, de regramento instituído por motivos de ordem moral e social, sendo, diante disto, um dos consectários lógicos do “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana” e do Direito à moradia, todos estampados na Constituição da República de 1988.
Neste diapasão, é imprescindível destacar que, dentro da referida sistemática, criou-se o conceito de “Patrimônio Mínimo”, assim caracterizado como o conjunto patrimonial necessário a assegurar a vida, com dignidade, da pessoa. Trata-se da parcela essencial ao atendimento básico das necessidades do indivíduo.
Veja-se a lição de Daniel Amorim Assumpção Neves[1], que, confirmando o conceito acima, declara que o objetivo é a proteção do mínimo necessário à existência digna:
É corrente na doutrina a afirmação de que razões de cunho humanitário levaram o legislador à criação da regra da impenhorabilidade de determinados bens. A preocupação em preservar o executado – e quando existente também sua família – fez com que o legislador passasse a prever formas de dispensar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna. (grifo nosso).
Imprescindível destacar as considerações do Ministro Luiz Edson Fachin[2]:
A proteção do patrimônio mínimo não está atrelada a exacerbação do indivíduo. Não se prega a volta ao direito solitário da individualidade suprema, mas sim do respeito ao indivíduo numa concepção solidária e contemporânea, apta a recolher a experiência codificada e superar seus limites. Ademais, está além da concepção contemporânea de patrimônio(…).
A ausência da previsão específica não deve, pois, corresponder à não admissão da tutela especial a um patrimônio mínimo, essencial à vida digna. (…) A Teoria do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo, amparada na dignidade da pessoa humana, sustenta que, em perspectiva constitucional, as normas civis devem sempre resguardar um mínimo de patrimônio, para que cada indivíduo tenha vida digna. (grifo nosso).
Certo que o conceito acima estampado não pode, tampouco deve, por sua própria essência e natureza, englobar excessos, supérfluos ou aquilo que excede o padrão médio de vida. Isto porque, se de um lado há o executado que, como ressaltado, não pode ser desprovido de parcela patrimonial que lhe assegure, minimamente, a vida digna, de outro existe o credor que, na mesma proporção, não pode ser prejudicado e frustrado pela aplicação isolada e absoluta da Legislação Especial.
Dentro deste conflito de interesses, tem-se como dever ínsito do Poder Judiciário sopesar os interesses envolvidos na relação processual, sem qualquer vantagem, benefício ou proveito específico a uma das Partes. A definição do direito deve, precipuamente, levar em consideração não apenas o texto de Lei, mas a intenção Legislativa e, na unanimidade dos casos, obedecer à regra da Proporcionalidade e Razoabilidade.
Reproduz-se ainda a lição de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves de Farias[3]:
Trata-se, é certo, da concretização da teoria do patrimônio mínimo, consagrando que a efetiva proteção de lei deve se dirigir ao que é necessário para viver dignamente, não podendo nessa medida, proteger bens supérfluos. Aliás, em se tratando do bem de elevado valor, não se justificaria a proteção por já não mais encontrar fundamento na tutela da dignidade do titular. (grifo nosso).
Repita-se, a “Execução” não pode ser instrumento para retirar a dignidade do Executado mas, ao mesmo tempo, merece, deve e precisa ser utilizada em favor e com o principal objetivo de satisfazer o direito do Exequente, nos exatos moldes delineados pelo “Princípio da Satisfatividade da Execução”, principal fonte direcionadora do Procedimento específico, não sendo outro o posicionamento de Elpídio Donizetti[4]:
No que tange à aplicação das disposições jurídicas da Lei 8.009/1990, há uma ponderação de valores que se exige do Juiz, em cada situação particular: de um lado, o direito ao mínimo existencial do devedor ou sua família; de outro, o direito à tutela executiva do credor; ambos, frise-se, direitos fundamentais das partes.
Ressalte-se a lição de Humberto Theodoro Júnior[5]:
A ideia de que toda execução tem por finalidade apenas a satisfação do direito do credor corresponde à limitação que se impõe à atividade jurisdicional executiva, cuja incidência sobre o patrimônio do devedor há de se fazer, em princípio, parcialmente, i.e., não atingindo todos os seus bens, mas apenas a porção indispensável para a realização do direito do credor.
Neste aspecto, torna-se claro que imóveis cujo valor seja demasiadamente alto e acima do padrão médio e necessário à vida digna, não podem integrar o conceito de “Patrimônio Mínimo”. Desarrazoado, portanto, considerar bens que possuam esta característica como impenhoráveis.
Ao permitir que o Devedor permaneça residindo em imóvel luxuoso, de alto valor e padrão, e, por outro lado, que o Credor continue, de forma inócua e infrutífera, em busca de bens que, em verdade, jamais serão encontrados, representa completa inversão não apena aos Princípios inerentes aos procedimentos de execução, mas ao da “Razoabilidade” e “Proporcionalidade”, tidos, reitere-se, como fundamentos básicos da Constituição Federal.
Essencial destacar trecho da obra de Cândido Dinamarco[6], cuja reflexão permite concluir que a impenhorabilidade de determinados bens imóveis ofende, de forma direta, preceitos constitucionalmente previstos. Veja-se:
Não se legitima, por exemplo, livrar da execução um bem qualificado como impenhorável, mas economicamente tão valioso que deixar de utilizá-lo in executivis seria um inconstitucional privilégio concedido ao devedor. Pense-se na hipótese de um devedor arquimilionário mas sem dinheiro visível ou qualquer outro bem declarado, e que viva em luxuosa mansão; esse é o seu bem de família, em tese impenhorável por força da lei, (lei n. 8.009, de 29.3.90) mas que, em casos como esse, não se justificaria ficar preservado por inteiro.
Neste diapasão, ressalta-se ainda o conceito e a abrangência dos Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade, tornando ainda mais claro o fato de que os imóveis de alto valor, por excederam ao padrão mínimo e médio de vida, não podem ser protegidos pelas disposições da Lei Federal nº 8.009/90.
Sobre o assunto, o Ministro Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet[7]:
Portanto, a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada, mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. (grifo nosso).
Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhdltnismdssigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). (grifo nosso).
Convergentemente, Uadi Lammêgo Bulos[8]:
O bom senso, a prudência, a moderação são imprescindíveis à exegese de toda e qualquer norma constitucional.
Esse princípio é largamente aplicado pelo Supremo Tribunal Federal, nos mais diferentes setores da experiência jurídica (cf. STF, ADin 1 . 1 5 8-8/AM, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 26-5- 1 995).
Assim, o Magistrado, no pleno exercício de sua função Jurisdicional, tem o “poder-dever” de proceder com a análise da compatibilidade de supostas vedações legais com os “Princípios da Proporcionalidade e Razoabilidade”, sempre por meio de interpretação teleológica, que permita, na unanimidade dos casos, a compreensão da efetiva intenção do Legislador.
Não há margem para qualquer questionamento. É imprescindível, com o objetivo de se evitar injustiças sociais, processuais e jurídicas, diferenciar-se o imóvel de alto padrão dos demais, sob pena de serem desrespeitados uma série de Princípios e Preceitos fundamentais.
O precípuo interesse do Poder Legislativo ao editar e fazer publicar a Lei Federal nº 8.009/90 foi, claramente, assegurar, minimamente, ao devedor, a vida digna, com a proteção do imóvel em que resida, em conjunto com a sua família. Trata-se, portanto, da proteção ao “Patrimônio Mínimo”, sendo inequivocamente desproporcional a conclusão de que é possível permitir que o executado prossiga residindo, ao latente e contínuo prejuízo de seu credor, em imóvel que, categoricamente, não se enquadra e tampouco pode ser entendido como o mínimo que lhe assegure a vida digna.
É certo que, nestas hipóteses, o Magistrado poderá, indubitavelmente, deferir a penhora e alienação do imóvel, uma vez que, com o produto obtido, poderá a parte devedora não apenas adimplir suas obrigações mas adquirir outro imóvel, garantindo-se o direito à moradia e o exercício do “Princípio da Dignidade da Pessoa Humana”, por consequência.
Portanto, ao descompasso da Jurisprudência ainda não consolidada, necessário evitar a aplicação isolada, cega e literal da Lei Federal nº 8.009/90, considerando que basta a mera análise da intenção do Legislador, por meio de interpretação teleológica sistemática, em conjunto com os Princípios previstos na Constituição Federal, para se concluir que, definitivamente, o imóvel de alto padrão, luxo e valor não é englobado pela impenhorabilidade absoluta.
Caso contrário, afrontar-se-ão os “Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade”, da “Isonomia”, da “Efetividade da Prestação Jurisdicional”, impedindo, deste modo, repita-se, ao prejuízo e ruína do credor, frustrado na satisfação de seu crédito, o alcance do “Processo Justo”, objetivo maior em Direito Constitucional, Processual Civil e Civil.
Veja-se a observação de Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet[9]:
Novidade da Constituição de 1988: o art. 52, LIV, proveio da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais – a “Comissão Afonso Arinos” – por uma proposta do Deputado Vivaldo Barbosa (PDT-RJ). Pouco difundido no Brasil e aplicado no Direito anglo-saxão há séculos, o princípio do due process of law, ou do justo processo, só a partir da Carta de 1988 veio a consagrar-se explicitamente no Brasil. As constituições passadas trataram da matéria de modo implícito, sem qualquer referência direta à cláusula. (grifo nosso).
Neste aspecto, é essencial demonstrar trecho da obra de Humberto Theodoro Júnior[10] que, categoricamente, afirma que o Provimento Jurisdicional, em hipótese alguma, pode ser fonte primária paternalista ou assistencial.
Em nome da eticidade, não se admite que o provimento judicial se torne fonte primária de uma justiça paternalista e assistencial, alheia ou contrária aos preceitos editados pelo legislador. Justo e injusto medem-se, no processo, pelos padrões objetivos próprios do direito, e não pela ótica subjetiva e intimista da moral, mesmo porque não é possível na ordem prática quantificar e delimitar, com precisão, os valores e preceitos puramente éticos, em todo seu alcance in concreto.
Complementa o Autor[11]:
Justiça e efetividade, como metas do processo democrático, exigem que o processo assegure o pleno acesso à Justiça e a realização das garantias fundamentais traduzidas nos princípios da legalidade, liberdade e igualdade. Nessa ordem de ideias, o processo, como já visto, consagra o direito à defesa, o contraditório e a paridade de armas (processuais) entre as partes, a independência e a imparcialidade do juiz, a obrigatoriedade da motivação dos provimentos judiciais decisórios e a garantia de uma duração razoável, que proporcione uma tempestiva tutela jurisdicional.
Portanto, é inequívoco que, permitindo-se a intangibilidade absoluta e em qualquer hipótese do patrimônio do devedor, ainda que claramente se exceda o necessário à vida com dignidade, em detrimento do sacrifício da pretensão do credor, o processo se torna inócuo, ineficaz e, ao contrário daquilo delimitado pela Legislação e Doutrina, meio de assistência e auxílio à parte inadimplente.
Victor Galli
(31) 3261-8083
————————————————
[1] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Forense. Rio de Janeiro. 2018.
[2] FACHIN, Luiz Edson. Op. Cit. p. 167.
[3] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2018.
[4] DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. Volume Único. Atlas. São Paulo. 2017.
[5] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Forense. Rio de Janeiro. 2018.
[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo. Malheiros, 2010.
[7] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Saraiva. São Paulo. 2018.
[8] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. Saraiva. São Paulo. 2019.
[9] MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Saraiva. São Paulo. 2018.
[10] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Forense. Rio de Janeiro. 2018.
[11] JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Teoria Geral do Direito Processual Civil, Processo de Conhecimento e Procedimento Comum. Forense. Rio de Janeiro. 2018.
ADULTERAÇÃO DO MEDIDOR DE ENERGIA: UMA DISCUSSÃO SOBRE A TIPIFICAÇÃO PENAL
O Superior Tribunal de Justiça, por meio da sua Quinta Turma, no julgamento do Agravo em Recurso Especial Nº 1.418.119/DF[1], superou entendimento desta própria Casa e definiu que alteração em medidor de energia deve ser enquadrada no crime de estelionato, regulado pelo artigo 171 do Código Penal.
A situação que ensejou a necessidade da tutela jurisdicional do Estado se desenrolou com dois indivíduos introduzindo uma substância gelatinosa no dispositivo de leitura de consumo, que reduziu a velocidade do disco medidor e acarretou um menor valor de consumo elétrico. A Companhia Energética, acordada pela abrupta diferença nos valores consumidos e pagos, cuidou-se de verificar a situação, percebendo, então, a presença de uma adulteração no medidor e constatando, para fins jurídicos, a fraude.
À nascente para entendimento da decisão, é necessário fazer uma distinção entre o que é adulteração no medidor e o que é o famoso “gato” de energia.
Na adulteração do medidor, pressupõe-se uma ação dolosa, de algum consumidor de serviços elétricos, que, buscando esquivar-se de adimplir integralmente com o que consumiu, utiliza-se de meios fraudulentos e antijurídicos para alterar o funcionamento natural de seu equipamento de apuração e obter vantagens indevidas no tocante da pecúnia que normalmente despenderia para quitar a energia que efetivamente utilizou. Elucida-se, ainda, que urge na adulteração um contrato de consumo preexistente e uma ação, de natureza alicantina, clara no sentido de minar a quitação integral do que foi gasto.
Já o conceito de “gato” contrapõe-se ferozmente ao de adulteração. De antemão, na ideia de “gato”, inexiste contrato ou relação prévia entre as partes. O agente subtrai a coisa móvel em sua fonte, antes dela efetivamente ser computada por um medidor. Ou seja, nesta situação em específico, há uma captação clandestina de energia, consumada a partir de mecanismos ilícitos que alteram o curso que a corrente elétrica deveria seguir.
Por muito tempo, esta diferenciação, e o melhor enquadramento de cada uma em um tipo penal específico, foi o escopo da doutrina e da jurisprudência pátria. Até hoje, não há uma súmula ou um entendimento vinculante, e por isso, é grande a confusão entre os aplicadores e os estudiosos do direito.
No presente trabalho, daremos enfoque na situação em que o medidor é adulterado e quais as consequências jurídicas desta ação.
É preciso, também, fazer outra distinção: pontuar o liame que separa o crime de estelionato do crime de furto mediante fraude.
O estelionato, regulado pelo artigo 171, caput do Código Penal, tem a seguinte redação:
Art. 171- Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
De pronta análise do dispositivo, percebe-se que se trata de um crime simples, comum e de dano, além de ter sua ação livre, comissiva ou omissiva. Neste delito, a vítima entrega a posse desvigiada do bem por ter sido induzida ao erro, enganada. Ou seja, o autor utiliza-se do emprego de fraude para enganar a vítima e convencê-la a entregar um bem. Pressupõe-se duplo resultado: prejuízo da vítima e vantagem para o agente.
Nas palavras de Cleber Masson[2]:
“No estelionato, por sua vez, a fraude se destina a colocar a vítima (ou terceiro) em erro, mediante uma falsa percepção da realidade, fazendo com que ela espontaneamente lhe entregue o bem. Não há subtração: a fraude antecede o apossamento da coisa e é causa para ludibriar sua entrega pela vítima ”.
Contrapondo-se, existe o delito de furto mediante fraude, regulado pelo Código Penal no artigo 155, § 4º, inciso II, com a seguinte redação:
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
- 4º – A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
Neste instituto, o comportamento fraudulento é voltado para facilitar a subtração do bem, ou seja, o agente efetivamente subtrai uma posse anteriormente vigiada, tendo utilizado de artifícios, ardil ou qualquer outro meio fraudulento para tornar sua empreitada mais simples.
Ou seja, apesar de haver coincidências, os dois artigos não se confundem. No primeiro, o agente emprega uma fraude que induz a vítima a entregar o bem; já no segundo, o agente se aproveita de meios fraudulentos para obstar maior resistência quando da subtração.
Nesse sentido, colaciona-se julgados do TJMG:
“No furto qualificado com fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, e a fraude é o meio para retirar a res da esfera de vigilância da vítima, enquanto no estelionato o autor obtém o bem mediante transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro(…)” (TJMG – Apelação Criminal 1.0223.14.027358-0/001, Relator(a): Des.(a) Flávio Leite , 1ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/05/0019, publicação da súmula em 15/05/2019).
“A conduta daquele que, recebendo regularmente a energia elétrica, adultera o dispositivo medidor de consumo, a fim de induzir a erro a concessionária fornecedora, minorando a cobrança tarifária correspondente ao seu consumo efetivo, comete o delito de estelionato.” (TJMG – Bem Infring e de Nulidade 1.0024.13.366509-1/002, Relator(a): Des.(a) Sálvio Chaves , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 20/06/2018, publicação da súmula em 29/06/2018).
Passo adiante, no que tange à adulteração no medidor, o STJ apresentou divergências em seus julgados. Em 2016, por meio do Recurso em Habeas Corpus Nº 62.437, de relatoria do Ministro Nefi Cordeiro[3], entenderam que qualquer modificação no medidor se enquadrava melhor no crime de furto qualificado mediante fraude:
“Ressalte-se que, em que pese não tenha sido alegado pelo recorrente, entende essa Corte que a hipótese dos autos, qual seja, a subtração de energia por alteração de medidor sem o conhecimento da concessionária, melhor amolda-se ao delito de furto mediante fraude e não ao de estelionato, como imputado na denúncia, sendo assim, possível a aplicação do entendimento acima referido ao presente caso concreto.”
Todavia, acertadamente, o próprio STJ reviu sua posição, por meio do julgamento do Agravo em Recurso Especial Nº 1.418.119[4]:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO. ANÁLISE DO MÉRITO RECURSAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALTERAÇÃO NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE POR USO DE SUBSTÂNCIA. REDUÇÃO DO CONSUMO DE ENERGIA. INDUZIMENTO A ERRO DA COMPANHIA ELÉTRICA. TIPICIDADE LEGAL. ESTELIONATO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. Extrai-se dos autos que fraude empregada pelos agravantes – uso de material transparente nas fases “a” e “b” do medidor – reduzia a quantidade de energia registrada no relógio e, por consequência, a de consumo, gerando a obtenção de vantagem ilícita. 2. “No furto qualificado com fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude meio para retirar a res da esfera de vigilância da vítima, enquanto no estelionato o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro”. (AgRg no REsp 1279802/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 8/5/2012, DJe 15/5/2012) 3. O caso dos autos revela não se tratar da figura do “gato” de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Trata-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, – fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal – CP (estelionato). 4. Recurso especial desprovido.
Conforme exposto no corpo da discussão, a adulteração do medidor pressupõe, necessariamente, a entrega de um serviço. Porém, se apropriando de meios torpes e de uma esperteza negativa, o agente induz à Companhia Energética ao erro, a faz acreditar que o valor computado é aquele consumido, quando, na verdade, não é. É cristalino que a situação em tela caracteriza-se como estelionato, porquanto que o “gato” de energia, melhor se encaixa na definição de furto mediante fraude.
Para elucidar, na adulteração, a fornecedora de energia está ciente de que está entregando um certo serviço para um determinado indivíduo e está recebendo, em troca, uma contraprestação. Em contrapartida, no “gato”, a fornecedora desconhece que o indivíduo está usufruindo de seus serviços, sendo que este está subtraindo coisa móvel que não lhe pertence.
Isto é, na primeira situação, o agente está empregando a fraude para a induzir a Companhia ao erro em uma situação já conhecida, típico do estelionato. Já na segunda situação, o uso da fraude tem o objetivo de mascarar uma situação desconhecida pela Companhia, de garantir à execução do furto.
Sobre isso, pontua Rogério Greco[5]:
“Aquele que desvia a corrente elétrica antes que ela passe pelo registro comete o delito de furto. É o que ocorre, normalmente, naquelas hipóteses em que o agente traz a energia para sua casa diretamente do poste, fazendo aquilo que popularmente é chamado de “gato”. A fiação é puxada, diretamente, do poste de energia elétrica para o lugar onde se quer usá-la, sem que passe por qualquer medidor”.
A adulteração satisfaz o duplo resultado exigido pelo artigo 171- o prejuízo da vítima e a vantagem do agente, além de ser evidente que as artimanhas empregadas para burlar o funcionamento normal do medidor induzem à Cia a acreditar em inverdades.
Sobre o assunto, Cezar Roberto Bittencourt[6] já se posicionou:
“Quando o desvio de energia ocorre após o medidor, o agente, para “subtraí-la”, necessita fraudar a empresa fornecedora, induzindo-a a erro, causando-lhe um prejuízo em proveito próprio. A ligação de energia continua oficial; o fornecedor, ludibriado, acredita que está fornecendo-a corretamente, desconhecendo o estratagema adotado pelo consumidor. Enfim, nessa hipótese, com certeza, a conduta amolda-se à figura do estelionato.”
Com base no que se entende por posse vigiada, fortifica-se o entendimento quanto à imputação por estelionato. A adulteração no medidor ocorre através da fraude em equipamento cuja posse é do próprio agente, e, portanto, sendo uma posse desvigiada em relação à Companhia. Ou seja, a vítima incorre da confiança depositada no terceiro, que abusando-se disto, por meio de ato ilícito, obtém vantagem indevida.
No caso do “gato”, a posse da fonte de energia era, necessariamente, vigiada, seja pelos órgãos públicos ou pelo detentor da rede elétrica, e o agente, incumbido do agir malicioso, subtrai, por suas próprias ações, e dotado de artimanhas, a coisa alheia móvel, conforme preconizado no que se entende por furto.
Dessa forma, o STJ foi preciso em seu novo posicionamento, culminando mais veridicidade ao que realmente se trata a adulteração ou modificação em medidor.
Ademais, cumpre salientar que o pagamento da dívida efetuado antes da denúncia, não mais enseja em extinção da punibilidade, segundo intepretação extensiva e analógica das leis 9.249 de 1995[7] e 10.684 de 2003[8].
Por meio do julgamento do Recurso em Habeas Corpus Nº 101.299[9], superou-se a ideia de que o fornecimento de energia possui caráter de tributo, e sim consolidou-se o entendimento de que este montante referente ao serviço possui natureza de tarifa ou preço público. Dessa forma, a analogia anteriormente feita, inclusive no julgamento do Recurso em Habeas Corpus Nº 62.437[10], não mais é possível, sendo também impossível a aplicação da extinção da punibilidade com fulcro nas leis supracitadas.
Assim, caso haja a quitação da dívida oriunda ou da adulteração ou do “gato”, é apenas possível se aplicar o instituto do arrependimento posterior, regulado pelo artigo 16 do Código Penal.
Por fim, entende-se que a Corte Superior acertou em seu novo entendimento, tendo em vista que as peculiaridades do caso da adulteração em medidor de energia vão ao encontro com o intuito do legislador ao redigir o artigo 171 do Código Penal.
Vítor Luiz Gonçalves Rocha da Costa
(31) 3261-8083
———————————————
[1] STJ AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019
[2] Direito Penal esquematizado: parte especial – vol. 2 – 10. ed. rev. atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p.403
[3] STJ RHC 62437/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2016
[4] STJ AREsp 1418119/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/05/2019, DJe 13/05/2019
[5] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Editora Impetus: 6ª Edição, p. 557
[6] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. Editora Saraiva, 2015: 9ª Edição
[7] Altera a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providências.
[8] Altera a legislação tributária, dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e dá outras providências.
[9] STJ RHC 101299/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019
[10] STJ RHC 62437/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2016
ANÁLISE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL ÀS LUZES DO ENTENDIMENTO DO STF – FALSIDADE IDEOLÓGICA ELEITORAL E CRIMES CONEXOS
O julgamento do quarto agravo regimental no Inquérito nº 4.435 pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrido no dia 14 de março de 2019, trouxe à tona controvérsias e relevante debate jurídico quanto a competência da Justiça Eleitoral. Por 6 votos a 5, o Supremo decidiu, mantendo sua jurisprudência, que a Justiça Eleitoral deve julgar crimes comuns conexos a falsidade ideológica eleitoral.
O presente caso trata da investigação de supostos crimes praticados pelo ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e o Deputado Federal Pedro Paulo, que englobam corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de capitais, evasão de divisas e falsidade ideológica eleitoral. O debate em questão reside no suposto fato ocorrido no ano de 2012, no qual Eduardo Paes teria recebido a quantia de R$15.000.000,00 (quinze milhões de reais) pela Odebrecht a pretexto de campanha eleitoral para eleição ao cargo de prefeito municipal do Rio de Janeiro. Afirma o Parquet que a empresa supostamente possuiria interesse na facilitação de contratos nas Olimpíadas de 2016.
Importante, nesse ponto, destacar que o crime de caixa dois eleitoral – divulgado popularmente como o ato de não declarar verba recebida em campanha eleitoral – não possui tipificação específica, sendo que enquadra-se atualmente, segundo juristas como Luiz Flávio Gomes[1], como crime de falsidade ideológica eleitoral (art. 350, Código Eleitoral):
Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:
Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.
Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.
A Constituição Federal submete “a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais” ao domínio normativo de lei complementar (art. 121, caput, Constituição Federal de 1988).
Nesse sentido, ressalta-se o art. 35, inciso II, do Código Eleitoral que dispõe, expressamente, que compete aos juízes eleitorais processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvadas as competências originárias dos Tribunais Superiores e Tribunais Regionais.
A Justiça Eleitoral caracteriza-se, portanto, como “forum attractionis”, em virtude do princípio da especialidade, com o fim de viabilizar a unidade de ilícitos que devem ser processados simultaneamente. Em interpretação sistemática, temos que a Justiça Eleitoral é especial em face, quer da Justiça Estadual, quer da Justiça Federal Comum.
Cumpre destacar doutrina de José Jairo Gomes[2]:
“Note-se que a justiça Comum é federal e estadual. A ‘vis attractiva’ exercida pela Justiça Eleitoral ocorrerá em ambos os casos. Apesar de a competência criminal da Justiça federal ser prevista diretamente na Constituição (art. 109) e da Eleitoral ser estabelecida em norma infraconstitucional ( no caso, o Código Eleitoral – CE, art. 35, II), a parte final do inciso IV, art. 109, da Lei Maior, ressalva expressamente a competência da Justiça Eleitoral. Em razão da expressa ressalva constitucional, há que se respeitar a competência criminal da Justiça Eleitoral, ainda quando ela seja definida por conexão. Caso contrário, à luz dos ordenamento positivo, o princípio do juiz natural restaria desatendido. Destarte, se houver conexão entre crime federal e eleitoral poderá haver unidade processual com a prorrogação da competência Justiça Eleitoral (…)”
Na hipótese de conexão entre delitos eleitorais e infrações penais comuns, o julgamento do feito cabe à Justiça Eleitoral, que possui força de atração.
Veja-se o art. 78, inc. IV, do Código de Processo Penal:
Art. 78. Na determinação da ccompetência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:
IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.
Extensa é a jurisprudência do STF que reafirma as normas constitucionais e infraconstitucionais acima citadas, como dos julgamentos: CJ 6.070/MG, Pet. 7.319/DF, Pet. 6.820-AgR-ED/DF, Inq. 4.428-QO/DF, Pet. 6.986AgR-ED/DF, dentre inúmeros outros.
Ademais, a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça não diverge no entendimento, conforme evidencia-se da decisão no Inquérito nº 1.181-AgRg/DF:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO INQUÉRITO. COMPETÊNCIA CRIMINAL ORIGINÁRIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RENÚNCIA DE GOVERNADOR DE ESTADO. DECISÃO QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA EM FAVOR DA JUSTIÇA ELEITORAL DE PRIMEIRO GRAU NO ESTADO DO PARANÁ. PEDIDO DE ENVIO DE CÓPIA DAS PEÇAS AO JUÍZO DA 13ª FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARANÁ. IMPROCEDÊNCIA. INEXISTÊNCIA, POR ORA, DE ELEMENTOS DE CONEXÃO COM EVENTUAL CRIME COMUM E DE INDÍCIOS DE CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO, CAPAZES DE ATRAIR A COMPETÊNCIA CONCORRENTE DA JUSTIÇA FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. No caso, com a renúncia do investigado ao cargo de Governador de Estado, foi proferida decisão declinando da competência em favor da Justiça Eleitoral de Primeiro Grau no Estado do Paraná e também, a pedido do Ministério Público Federal, foi determinada a remessa de cópia das peças de informação ao Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária do Paraná. 2. O Parquet federal, através de nova e motivada manifestação, em que retifica o pedido formulado anteriormente, deixou evidenciado que não existem, ao menos nessa fase da investigação, elementos objetivos de conexão entre os supostos crimes eleitorais cometidos pelo ex-Governador do Estado do Paraná, e eventuais delitos de competência da Justiça comum. Tampouco se extrai do conjunto probatório até então produzido indícios da prática do crime específico de Lavagem de Dinheiro, a atrair a competência concorrente da 13ª Vara Federal de Curitiba. 3. Nos termos do art. 35, II, do Código Eleitoral, compete aos juízes eleitorais processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais. 4. Diante disso, compete à Justiça Eleitoral de Primeiro Grau do Estado do Paraná apurar a possível prática de crimes eleitorais pelo Ex-Governador deste Estado, competindo a esta mesma jurisdição, nos termos do art. 35 do CE, averiguar se existem eventuais indícios de crimes comuns a serem atribuídos ao investigado, bem como sobre a ocorrência de conexão ou não destes com os eventuais crimes eleitorais, de forma a determinar, se for o caso e assim entender, o compartilhamento das informações com a Justiça Federal de Curitiba, para que haja apuração em separado dos fatos. 5. Agravo regimental a que se dá provimento.
(INQ. Nº 1.181-AgRg/DF, REL. MIN. OG FERNANDES. ÓRGÃO JULGADOR: CE – CORTE ESPECIAL. DATA DO JULGAMENTO: 20/06/2018. DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE: DJE 03/08/2018)
Note que é reconhecida à Justiça Eleitoral, inclusive, a competência de decidir sobre a existência de conexão entre os crimes e, não reconhecendo o vínculo, remeter o julgamento dos crimes não eleitorais à Justiça Comum se assim entender.
O direito ao processo justo constitui princípio fundamental para a organização do processo no Estado Democrático de Direito. A sua observância é condição necessária e indispensável para a obtenção de decisões capazes de formar precedentes.
Diante do direito brasileiro “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, da CF/1988). Nesse complexo, existem parâmetros ético-jurídicos que não podem ser transpostos.
A obediência aos direitos e garantias, além dos princípios norteadores do processo, como os dogmas do juiz natural e do devido processo legal são os fatores de legitimação da atividade estatal. Portanto, há de ser respeitada a competência da Justiça Eleitoral.
Sofia Sampaio
(31) 3261-8083
—————————————————–
[1]GOMES, Luiz Flávio. Caixa 2 eleitoral é crime? Jusbrasil. Disponível em: <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/204315523/caixa-2-eleitoral-e-crime>.
[2] JAIRO GOMES, José. Crimes Eleitorais e Processo Penal Eleitoral, p. 325/327, Atlas, 2016.