DOCUMENTOS ELETRÔNICOS
FORÇA EXECUTIVA E DINÂMICA EM TEMPOS DE PANDEMIA
O Poder Judiciário vem, há tempos, implementando políticas de atuação que visam a migração do tradicional processo judicial, em via física, para o ambiente virtual. Exemplos dessas medidas são a Lei Federal nº 11.419/2006 (Lei de Informatização do Processo Judicial) e a Resolução nº 185/2013 (que institui o Sistema Processo Judicial Eletrônico – Pje), do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.
O próprio Código de Processo Civil vigente[1], na esteira dos avanços tecnológicos, possui atualizado texto que passou a prever, em inúmeros dispositivos, a utilização de atos processuais eletrônicos e adoção de documentos virtuais em substituição àqueles que anteriormente eram observados apenas por meio físico.
Neste contexto, inseriu-se, na Legislação Processual, destaque especial sobre os documentos eletrônicos, cujas disposições estão previstas na “Seção VIII”, composta pelos artigos 439, caput a 441, caput, in verbis:
Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e conservados com a observância da legislação específica.
E, impulsionado pela atual pandemia causada pelo “novo coronavírus”, o Poder Judiciário passou, ainda mais, a se valer de meios eletrônicos para conferir maior celeridade ao Procedimento Judicial, adequando-se ao paradigma vivenciado. Neste sentido, passar-se-á a analisar a utilização dos documentos virtuais como Títulos Executivos Extrajudiciais.
Humberto Theodoro Júnior[2] aclara que a admissibilidade da execução forçada exige a concorrência de 02 (dois) requisitos básicos e indispensáveis que são o título executivo, judicial ou extrajudicial e o inadimplemento do devedor em relação à obrigação exigível certificada no título.
Nos incisos do art. 784, do Código de Processo Civil, estão previstas as espécies de documentos detentores de exequibilidade. Dentre eles, por exemplo, tem-se “o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas” – (inciso III). Contudo, não basta que haja previsão de determinada obrigação descumprida pelo devedor para que se fale em “execução forçada da obrigação”. Incumbe ao Credor demonstrar, ainda, a certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo (art. 786).
Nessa lógica:
a estipulação do primeiro requisito da execução acha-se contida no art. 786, onde se dispõe que ela “pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo”. O que se quis assentar foi a conotação de inadimplemento no campo da execução. Para que se tenha presente o requisito material da execução forçada, não basta o inadimplemento de qualquer obrigação. É preciso que o descumprimento se refira a uma obrigação corporificada em título executivo definido por lei[3].
Em se tratando de documento eletrônico, para além de comprovar os requisitos inseridos no art. 786, da Legislação Processual, faz-se necessário, ainda, que seja atestada sua autenticidade por Autoridade Certificadora credenciada junto à Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil – instituída pela Medida Provisória nº 2.200-2/2001, nos termos do já citado art. 439, do Código de Processo Civil. Tanto que o artigo 10, §1º, da referida MP prevê que “as declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários (…)”.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.495.920/DF[4], confirmou a validade da utilização dos contratos eletrônicos como títulos executivos. Para o Relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a assinatura digital do contrato eletrônico “(…) faz evidenciada a autenticidade do signo pessoal daquele que a apôs e, inclusive, a confiabilidade de que o instrumento eletrônico assinado contém os dados existentes no momento da assinatura”, possibilitando que subsidie/lastreie, desta forma, uma Ação de Execução.
Veja-se, adiante, a ementa do referido precedente:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXECUTIVIDADE DE CONTRATO ELETRÔNICO DE MÚTUO ASSINADO DIGITALMENTE (CRIPTOGRAFIA ASSIMÉTRICA) EM CONFORMIDADE COM A INFRAESTRUTURA DE CHAVES PÚBLICAS BRASILEIRA. TAXATIVIDADE DOS TÍTULOS EXECUTIVOS. POSSIBILIDADE, EM FACE DAS PECULIARIDADES DA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO, DE SER EXCEPCIONADO O DISPOSTO NO ART. 585, INCISO II, DO CPC/73 (ART. 784, INCISO III, DO CPC/2015). QUANDO A EXISTÊNCIA E A HIGIDEZ DO NEGÓCIO PUDEREM SER VERIFICADAS DE OUTRAS FORMAS, QUE NÃO MEDIANTE TESTEMUNHAS, RECONHECENDO-SE EXECUTIVIDADE AO CONTRATO ELETRÔNICO. PRECEDENTES.
- Controvérsia acerca da condição de título executivo extrajudicial de contrato eletrônico de mútuo celebrado sem a assinatura de duas testemunhas.2. O rol de títulos executivos extrajudiciais, previsto na legislação federal em “numerus clausus”, deve ser interpretado restritivamente, em conformidade com a orientação tranquila da jurisprudência desta Corte Superior.3. Possibilidade, no entanto, de excepcional reconhecimento da executividade de determinados títulos (contratos eletrônicos) quando atendidos especiais requisitos, em face da nova realidade comercial com o intenso intercâmbio de bens e serviços em sede virtual. (Grigou-se).
- Nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil, inclusive o de 2015, mostraram-se permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido vivida no que toca aos modernos meios de celebração de negócios, que deixaram de se servir unicamente do papel, passando a se consubstanciar em meio eletrônico.
- A assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados.6. Em face destes novos instrumentos de verificação de autenticidade e presencialidade do contratante, possível o reconhecimento da executividade dos contratos eletrônicos. (Grigou-se).
- Caso concreto em que o executado sequer fora citado para responder a execução, oportunidade em que poderá suscitar a defesa que entenda pertinente, inclusive acerca da regularidade formal do documento eletrônico, seja em exceção de pré-executividade, seja em sede de embargos à execução.
- RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ. REsp 1495920/DF. Terceira Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. DJe: 07/06/2018) (grifo nosso)
A certificação prevista no artigo 1º, §2º, inciso III, alínea “a”, da Lei Federal nº 11.419/06 – que considera assinatura eletrônica aquela “baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada” – tem a finalidade de assegurar que todas as assinaturas apostas no documento virtual sejam verdadeiras, representando a vontade das partes de contratarem e de se submeterem aos efeitos do negócio jurídico pactuado em meio virtual.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento do “Agravo de Intrumento” nº 0105.13.031918-6/001, de Relatoria do Desembargador Gutemberg da Mota, consignou que a “exigência de apresentação do documento original não se mostra razoável, pois estando a cópia certificada digitalmente, tratando-se de documento eletrônico, presume-se verdadeiro, conforme estabelece o art. 11 da Lei 11.419/06”[5].
De outro lado, deve ser ressalvado que, ainda que atestada a autenticidade do documento eletrônico devem, as partes, repita-se, certificarem-se de atender aos requisitos exigidos pela Legislação Processual, conferindo executividade, assim, ao documento eletrônico, pois, caso contrário, não haverá possibilidade de processamento. É o que se extrai de importante precedente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. Execução aparelhada com contrato eletrônico de empréstimo (“Credinâmico Funcef Variável”). Ausência de assinatura de duas testemunhas. Descumprimento dos requisitos do art. 784, inc. III, do NCPC. Violação aos princípios da taxatividade e da tipicidade. Assinatura digital certificada por autoridade competente que apenas têm o condão de garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica do documento eletrônico, além de assegurar a identidade do signatário digital. Assinatura digital que não atribui executoriedade ao documento eletrônico. Impossibilidade de se verificar a assinatura digital no contrato eletrônico em discussão, o que reforça a ausência de executoriedade do documento. Execução nula por ausência de título. Sentença mantida. Recurso não provido. (Grifou-se).
(TJSP; Apelação Cível 1011898-10.2016.8.26.0009; Relator (a): Tasso Duarte de Melo; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IX – Vila Prudente – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/11/2019; Data de Registro: 03/12/2019)
A exposição feita permite notar que, em função da crescente informatização do processo judicial e das próprias relações humanas, tem-se, cada vez mais, a utilização de documentos e atos processuais eletrônicos em substituição à tradicional versão física.
E é inegável, ainda, que diante da atual pandemia promovida pelo “novo coronavírus”, que assola diversos Países, vive-se uma nova realidade, em que o distanciamento social e a prática de atos virtuais ou remotos vem sendo difundida, não excetuando-se, à regra, o serviço Judiciário.
Tanto é verdade que o Conselho Nacional de Justiça, por meio de sua Resolução nº 313[6], suspendeu, desde 19/03/2020, o trabalho presencial de Magistrados, Servidores, Estagiários e Colaboradores no âmbito do Poder Judiciário Nacional[7], substituindo-o pelo atendimento “de forma prioritariamente remota e, excepcionalmente, de forma presencial” sem, contudo, obstar “a prática de ato processual necessário à preservação de direitos e de natureza urgente”.
Na esteira do regime especial de trabalho estabelecido pelo Órgão Federal, Tribunais de Justiça de todo o país, como o do Estado de Minas Gerais, do Estado de São Paulo e do Estado do Espírito Santo, implementaram, por meio da Portaria Conjunta nº 952/2020[8], do Provimento nº 2550/2020[9] e do Ato Normativo nº 064/2020[10], respectivamente, medidas temporárias de prevenção ao contágio pelo “novo coronavírus”, dentre elas, o atendimento por e-mail institucional[11] e a autorização do “peticionamento (inicial e incidental) por e-mail ou outras formas eletrônicas[12]”.
O novo paradigma instituiu um modelo de atuação que não mais exige a presença física das partes para concluir negócios e executar direitos, emergindo, daí, a importância dos contratos eletrônicos, reconhecidamente válidos e eficazes para a formalização de relações e negócios jurídicos bem como para lastrear Procedimentos Judiciais.
Conclui-se que, nos termos da Legislação Processual Civil, de Normas correlatas e da atual dinâmica de trabalho remoto imposta pelo “novo coronavírus”, em se tratando de documento eletrônico, para que haja exigibilidade da obrigação por meio dele pactuada, necessária a confirmação da sua autenticidade pela denominada “Autoridade Certificadora” competente e credenciada junto ao Órgão de controle nacional[13], nos moldes previstos na Medida Provisória nº 2.200-2/2001, com a finalidade de satisfação dos elementos do processo executivo, e, consequentemente, processamento regular da Ação em prol da satisfação do direito do credor.
Ivan Lopes
(31) 3261-8083
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[1] Lei 13.105/2015
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. III. 49. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Op. cit.
[4] REsp 1495920/DF, Terceira Turma, julgado em 15/05/2018, DJe de 07/06/2018.
[5] (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0105.13.031918-6/001, Relator(a): Des.(a) Gutemberg da Mota e Silva, 10ª Câmara Cível, julgamento em 28/01/2014, publicação da súmula em 07/02/2014)
[6] Resolução que estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de Plantão Extraordinário, para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19, e
garantir o acesso à justiça.
[7] Excetuado o Supremo Tribunal Federal e a Justiça Eleitoral.
[8]https://www.tjmg.jus.br/data/files/F9/90/3C/00/DA9017102A890D075ECB08A8/PortConjunta952de2020%20-.pdf – acesso em 27/05/2020.
[9]https://www.tjsp.jus.br/Download/Portal/Coronavirus/Comunicados/Provimento_CSM_20200320_1.pdf – acesso em 27/05/2020.
[10] http://www.tjes.jus.br/corregedoria/2020/03/23/ato-normativo-no-064-2020-disp-23-03-2020/ – acesso em 27/05/2020.
[11] Conforme art. 3º do Provimento nº 2550/2020 do TJSP.
[12] É o que está disposto no art. 3º, §1º, do Ato Normativo nº 064/2020 do TJES.
[13] São exemplos de Autoridades Certificadoras a Serasa Experian, Valid Certificadora Digital e Certisign. A lista completa pode ser consultada em https://www.iti.gov.br/icp-brasil/estrutura.