Impactos e Alterações no Código Penal Brasileiro – Pacote Anticrime – LEI Nº 13.964/19 | por Otto Morais

O Pacote Anticrime é resultado da reunião de propostas elaboradas pelo atual Ministro da Justiça, Sergio Moro, e por uma comissão de juristas coordenada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Alexandre de Moraes.

A Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, foi publicada no mesmo dia em que sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro.

O presente artigo tem por escopo precípuo abordar as principais alterações e atualizações no Código Penal, Parte geral e especial, promovidas pelo Pacote Anticrime.

Destaca-se que, por questões metodológicas, as mudanças promovidas em outras normas penais não mencionadas no presente artigo (Código de Processo Penal – Lei de Execuções Penais – Leis Penais Extravagantes) serão objeto de análise em informativos jurídicos posteriores, nos quais enfrentaremos os demais dispositivos reformados e introduzidos pela Lei 13.694/19.

Assim, vamos analisar, na Parte Geral do CP, as modificações promovidas nos arts. 25, 51, 75, 83, 116 e o novel art. 91-A, e, na Parte Especial, as mudanças promovidas nos arts.157, 171 e 316.

O pacote anticrime teve como pontos centrais o incisivo combate à corrupção, o enfrentamento ao crime organizado e a criminalidade violenta. Ressalvadas as polêmicas, algumas alterações são bastante significativas e positivas, pois provocarão modificações amplas no sistema penal.

  1. Alterações no Código Penal – DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.
  • NOVA MODALIDADE DE LEGÍTIMA DEFESA

A legitima defesa, segundo Jescheck[1], tem dois ângulos distintos, mas que trabalham conjuntamente:

  1. No prisma jurídico individual, é o direito que o agente possui de defender seus bens juridicamente tutelados. Deve ser exercida no contexto individual, não sendo cabível invocá-la para defesa de interesses coletivos, como ordem pública ou o ordenamento jurídico.
  1. No prisma jurídico-social, é justamente o preceito que o ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto, daí por que a legitima defesa manifesta-se somente quando for essencialmente necessária, devendo cessar no momento em que desaparecer o interesse de afirmação do direito ou, ainda, em caso de manifesta desproporção entre os bens em conflito.

É desse contexto que se extrai o princípio de que a legitima defesa merece ser exercida da forma menos severa possível. Cuida-se, praticamente, de um direito natural, tornado legal por força de previsão contida feita no Código Penal.

O conceito legal de legitima defesa encontra-se no artigo 25 do Código Penal, dispondo que: “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Com a aprovação e publicação do Pacote Anticrime, foi acrescentado o parágrafo único a este artigo, com o seguinte conteúdo:[2]

Artigo 25 CPB – Antes Lei 13.964/19 § único acrescentado pela Lei 13.964/19
Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”

A situação se encontrava abarcada pela legítima defesa de terceiro. Contudo, o legislador reforçou a excludente de ilicitude da referida conduta do agente de segurança pública.

O que se pode observar é que a ideia do acréscimo do parágrafo único ampliou a legitima defesa àqueles que estivessem em conflito armado e prevenissem agressão em caso que envolvam reféns. De modo geral, a legitima defesa foi estendida a agentes de segurança pública para repelir agressão ou risco iminente.

  • PENA DE MULTA – ARTIGO 51 DO CPB

A principal alteração no artigo 51 do Código Penal recaiu sobre a execução da pena de multa. Foi acrescentado ao supracitado artigo a competência do Juiz da Vara de Execução Penal (VEP) para executar a pena de multa, vejamos:

Artigo 50 CPB antes da Lei 13.964/19 Artigo 51 após a Lei 13.964/19
Art. 51.Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição ( (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)     (Vide ADIN 3150) Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

A alteração sedimentou discussão que pairava nos Tribunais Superiores (STF e STJ), que tinham entendimentos distintos sobre a legitimidade para propor a cobrança da multa. Para o STJ, a competência para execução seria da Fazenda Pública, por outro lado, o STF entendia que seria o Ministério Público o órgão executor conforme jurisprudências abaixo:

Jurisprudência do STJ:  Jurisprudência do STF:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE OU DE RESTRITIVA DE DIREITOS SUBSTITUTIVA. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso Especial processado sob o regime previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ. 2. Extinta pelo seu cumprimento a pena privativa de liberdade ou a restritiva de direitos que a substituir, o inadimplemento da pena de multa não obsta a extinção da punibilidade do apenado, porquanto, após a nova redação dada ao art. 51 do Código Penal pela Lei n. 9.268/1996, a pena pecuniária passou a ser considerada dívida de valor e, portanto, possui caráter extrapenal, de modo que sua execução é de competência exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública. 3. Recurso especial representativo da controvérsia provido, para declarar extinta a punibilidade do recorrente, assentando-se, sob o rito do art. 543-C do CPC a seguinte TESE: Nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade. (REsp 1519777/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 10/09/2015) Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980.(ADI 3150, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-170 DIVULG 05-08-2019 PUBLIC 06-08-2019)

Com a atual redação, considerando que o juízo da execução deve ser provocado pelo Ministério Público quanto a execução da multa, o Pacote Anticrime reforça a legitimidade do Ministério Público nos casos previstos no artigo 32, III do CPB.

  • TEMPO DE CUMPRIMENTO DE PENA – ARTIGO 75 DO CPB

Anteriormente à aprovação do Pacote Anticrime, o artigo 75 do Código Penal previa a limitação do tempo de cumprimento de pena em 30 anos, considerando a unificação das penas privativas de liberdade com as alterações trazidas pela Lei nº13.964/19, o limite máximo passou de 30 para 40 anos, nos seguintes termos:

Artigo 75 CPB antes Lei 13.964/19 Artigo 75 CPB após Lei 13964/19
Art. 75 – O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.§ 1º – Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo.§ 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido. Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.§ 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo:§ 2º – Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido.

A alteração trazida pela Lei nº 13.964/19 já era discutida por diversos penalistas, considerando o aumento da expectativa de vida da população brasileira. Nesse sentido, o aumento de 30 para 40 anos não viola a vedação constitucional de penas perpétuas, pois, trata-se de mera adaptação da norma penal.

Vale ainda destacar que a somatória total das penas é utilizada para fins de análise de benefícios em matéria de execução penal. Ou seja, os benefícios trazidos na LEP não são compreendidos sob o viés desse limite.

O parágrafo 1º deixa claro que as penas devem ser unificadas quando sua soma ultrapassar o limite previsto no caput do artigo 75 do CPB.

  • ALTERAÇÕES NAS REGRAS PARA O LIVRAMENTO CONDICIONAL (ARTIGO 83 DO CP)

O instituto do livramento condicional é benefício concedido a um apenado que permite o cumprimento da punição em liberdade até a extinção da pena.

Para fazer jus ao benefício, o condenado, no entanto, precisa preencher algumas condições previstas nos artigos 83 a 90 do Código Penal (CP) e nos artigos 131 a 146 da Lei de Execução Penal (LEP).

O livramento condicional é concedido pelo juízo da execução e pode ser suspenso no caso de descumprimento das condições determinadas quando da concessão ou ainda se o condenado cometer novos crimes.

O artigo 131 da LEP prevê que o Ministério Público e o Conselho Penitenciário sejam ouvidos antes da concessão do livramento condicional.

O livramento condicional tornou-se um direito subjetivo do preso, o qual visa a ressocialização antecipada nos termos do artigo 83 do CPB.

O instituto sofreu pequena alteração no inciso III, vejamos:

Antes da Lei 13.694/19 Após Lei 13.694/19
III – comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; III – comprovado: a) bom comportamento durante a execução da pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto

Em linhas gerais, não houve grandes modificações no tocante aos pressupostos objetivos e subjetivos.

  • CONFISCO ALARGADO DE BENS – ARTIGO 91 – A DO CPB

Buscando permitir que o Estado possa confiscar bens adquiridos com recursos ilícitos ou derivados de crime sem a exigência da comprovação de que esse proveito decorre de prática ilícita, foi acrescentado o art. 91-A ao Código Penal, com a seguinte redação:

Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

  • 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:

I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e

II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.

  • 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
  • 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.
  • 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.
  • 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

A Lei nº 13.694/19 conferiu ao juízo criminal o poder discricionário de, procedendo a uma análise aritmética sobre o patrimônio amealhado e os rendimentos lícitos auferidos, decretar a perda dos bens correspondentes à diferença, entendendo em presunção absoluta.

Importante relatar que, com a publicação do Pacote Anticrime, a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal – STF para questionar a constitucionalidade de dispositivo (artigo 91-A) do Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro/2019, que prevê a perda de bens como um dos efeitos da condenação criminal. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6304, a Associação afirma que a regra cria uma pena de “confisco de bens”, em violação ao princípio da individualização da pena e da função social da propriedade.

A perda de bens, prevista no artigo 91-A do Código Penal, atinge, além do produto ou proveito do crime, “os bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito”. Segundo a Abracrim, isso permite a inclusão de bens sem qualquer vínculo ou relação com o crime que resultou na condenação, o que caracterizaria confisco sem justa causa.

Para a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, o dispositivo notadamente vulnera o princípio do devido processo legal, princípio da inocência e vedação ao confisco, assim como promove a inversão do ônus probante previsto no artigo 156 do CPP.

Observa-se, ainda, que o artigo. 91-A contém vício na sua formalidade, pois,  não descreve especificamente os crimes ou contravenções que sujeitariam o condenado à perda do seu patrimônio considerado incompatível com seus rendimentos lícitos, além de a norma tratar que os bens que constituam a diferença entre o patrimônio do condenado e o valor correspondente aos seus rendimentos lícitos serão perdidos como produto ou proveito da infração.

  • CAUSAS IMPEDITIVAS DA PRESCRIÇÃO – SUSPENSÃO DE PRESCRIÇÃO DA PENA QUANDO HÁ RECURSOS PENDENTES EM TRIBUNAIS SUPERIORES – ARTIGO 116 DO CPB

Uma das alterações mais relevantes para o sistema de persecução criminal versa sobre a causa impeditiva da prescrição em caso de recursos para Tribunais Superiores.

Para Nucci[3], no Direito Penal, “a prescrição é a perda do direito de punir do Estado pelo seu não exercício em determinado lapso de tempo. Existem duas maneiras de se computar a prescrição: a primeira pela pena em abstrato e a segunda pela pena em concreto. No primeiro caso, ainda não há condenação penal, motivo pelo qual será utilizada como base para o cálculo da prescrição a pena máxima em abstrato prevista para o delito. No segundo caso, a pena constante na sentença, que houver transitado em julgado ao menos para acusação, é que servirá de base para o cálculo da prescrição. O cálculo da prescrição regula-se pelo artigo 109 do Código Penal”.

A prescrição possui algumas causas suspensivas ou impeditivas, ou seja, que impedem a fluência do prazo durante determinado período, voltando a correr de onde parou após cessadas tais causas.

A Lei nº 13.964/19 alterou o artigo 116 do CPB para acrescentar dois incisos que impedem a fluência do prazo prescricional, além de alterar o inciso II, vejamos o quadro comparativo:

Artigo 116 do CPB antes da Lei 13.964/19 Artigo 116 do CPB após a Lei 13.964/19
Art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;II – enquanto o agente cumpre pena no exterior;

III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e

IV – enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal.

Parágrafo único – Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.

A suspensão da prescrição prevista no artigo 116, III, do Código Penal ocorre apenas quando os recursos não forem conhecidos, por não preencherem os requisitos de admissibilidade, não se aplicando aos casos em que houver apreciação do mérito recursal e quando se tratar de recurso interposto pela acusação.

Na prática, as mudanças buscam evitar que recursos ao STJ e ao STF sejam utilizados como artifícios da defesa para protelar o fim do processo e para viabilizar a prescrição.

As novas causas interruptivas devem ser analisadas em conjunto com as outras já previstas no Código Penal (artigo 116). Importante, ainda, não confundir as causas interruptivas com as suspensivas da prescrição.

Vale destacar que a suspensão do prazo prescricional não possui um limite estabelecido em lei. Contudo, o STJ, em julgamento da Terceira Seção, no ano de 2009, editou a súmula 415, determinando que “o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”. Nesses termos, passado tempo idêntico ao máximo da pena cominada ao acusado, o prazo prescricional deve voltar a fluir, mesmo que a causa suspensiva ainda esteja vigente.

Na prática, diante da ausência de prazo para análise de recursos interpostos nos tribunais superiores, o que a proposta conduz é a negativa de garantia da duração razoável do processo prevista no artigo 5º, LXXVIII, Constituição Federal.

  1. CÓDIGO PENAL – PARTE ESPECIAL
    • AMPLIAÇÃO DA PENA POR ROUBO COM USO DE ARMA BRANCA – ARTIGO 157 DO CÓDIGO PENAL

A previsão disposta no artigo 157 do CP é que se a violência ou grave ameaça for exercida com emprego de arma branca a pena será majorada de 1/3 até a metade.

O inciso I do art. 157, §2º previa a majorante do emprego de arma de forma genérica, mas, com a sua revogação em 2018, ficou no tipo penal apenas a majorante pelo uso de arma de fogo.

Contudo, o inciso VII criado pela Lei nº 13.964/2019, o questionamento versa se o inciso englobará apenas as armas brancas ou também as armas impróprias, já que não possuem mais essa relação de pertinência.

Somente pode ser entendido como arma branca, para fins do artigo 157, §2º, VII, do Código Penal, os objetos efetivamente considerados armas (moldados para ofender a integridade física), não os demais instrumentos que eventualmente sejam empregados para esse fim (arma imprópria).

Importante destacar que a principal alteração no dispositivo diz respeito à criação do parágrafo 2º-B. Conforme esse parágrafo, a pena do crime de roubo será aplicada em dobro se a violência ou a grave ameaça for exercida mediante o emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

Antes da Lei 13.654/18 Após a Lei 13.654/2018 Após o Pacote Anticrime
§2º – A pena aumenta-se de um terço até a metade:I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; §2º – A pena aumenta-se de ⅓ (um terço) até a metade:I – (revogado) §2º – B – A pena aumenta-se de um terço até a metade:VII – se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca

O parágrafo 2º – B é uma qualificadora que elevará a pena do roubo para 08 (oito) a 20 (vinte) anos de reclusão, tornando a majorante do emprego da arma de fogo de uso restrito ou proibido mais específica. Importante destacar que a pena pode ser superior à do crime de homicídio simples (maior bem jurídico tutelado).

Com as alterações introduzidas pelo Pacote Anticrime, o delito de roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V), circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B), foram incluídos no seleto rol dos crimes hediondos, o que pode gerar impactos no sistema carcerário brasileiro, como consequência a superlotação.

Importante ainda destacar que para incidência da qualificadora do art. 157, §2º-B, do CP é imprescindível a apreensão e perícia da arma de fogo ou munições utilizadas na prática delitiva, visto que a distinção entre tipos de arma de fogo não é aferível sensorialmente, não se admitindo, portanto, que a falta de perícia seja suprida pela eventual confissão do acusado ou por quaisquer outros meios de prova.

Por fim, por se tratar de novatio legis in pejus, somente poderá incidir aos crimes praticados após a entrada em vigor da nova lei.

  • AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA A REPRESENTAÇÃO PARA OS CRIMES DE ESTELIONATO E FRAUDES – 171 DO CPB

O artigo 171 trata de uma infração de médio potencial ofensivo, sendo possível para o crime de estelionato o benefício da suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei 9.099/95).

Crime de resultado, o estelionato exige quatro requisitos para sua caracterização: 1) obtenção de vantagem ilícita; 2) causar prejuízo a outra pessoa; 3) uso de meio de ardil, ou artimanha, 4) enganar alguém ou a levá-lo a erro. Sendo que a ausência de um dos quatro elementos, seja qual for, impede a caracterização do crime.

O tipo penal aceita apenas a forma dolosa, ou seja, que haja real intenção de lesar, não havendo previsão forma culposa, ou sem intenção.

Com a introdução do §5º pela Lei nº13.964/19, em casos de crimes como estelionato e outras fraudes, a ação penal passa a ser pública condicionada a representação, vejamos:

Artigo 171 CPB antes Lei 13.964/19 Artigo 171 CPB Após Lei 13.964/19
Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:(…) Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:(…)§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for:

I – a Administração Pública, direta ou indireta;

II – criança ou adolescente;

III – pessoa com deficiência mental; ou

IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

Reforça-se que antes da alteração promovida pelo Pacote Anticrime, o estelionato era de ação penal pública incondicionada. Contudo, como observado, será incondicionada a ação em apenas quatro hipóteses, sendo em regra a representação.

Destaca-se ainda que o artigo 171, §5º, do CP, por possuir reflexos de natureza penal, aplica-se aos fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, operando-se a decadência na hipótese de a ação penal ter se iniciado sem a manifestação da vítima e já houver transcorrido o prazo de seis meses contados da data da entrada em vigor da Lei 13.964/19.

  • CONCUSSÃO – ARTIGO 316 DO CPB

Trata-se de crime praticado por funcionário público, em que este exige, para si ou para outrem, vantagem indevida, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela.

A concussão é crime formal (crime que não exige resultado naturalístico).

Segundo Nucci[4], o resultado naturalístico “é a modificação sensível do mundo exterior. O evento está situado no mundo físico, de modo que somente se pode falar em resultado quando existe alguma modificação passível de captação pelos sentidos. Exemplo: a morte de uma pessoa é um resultado naturalisticamente comprovável; observa-se aí a relação conduta x modificação que vem a ser justamente o nexo causal”.

Com o advento da Lei nº 13.964/19, a única alteração se deu em relação a pena máxima em abstrato. Vejamos como se estrutura o texto atualmente:

Artigo 316 CPB antes da Lei 13.964/19 Artigo 316 CPB após da Lei 13.964/19
Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 08 (oito) anos, e multa Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa

Verifica-se que ocorreu, portanto, um aumento da pena máxima estabelecida, que antes era de 2 (dois) a 8 (oito) anos de reclusão.

Forçoso salientar que dada a relação de semelhança entre os tipos penais, há quem afirme[5] ser a concussão (art. 316, do CPB) um “delito irmão” da corrupção passiva, prevista no art. 317, do CPB.

Art. 317 do Código Penal: Redação Anterior artigo 316 Código Penal
Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Grifou-se). Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 08 (oito) anos, e multa

A conduta está ligada à ideia de pedido, súplica. Assim, se levássemos em conta a redação do art. 316 antes da alteração promovida pela Lei n° 13.964/2019, perceberíamos certa desproporcionalidade entre o apenamento dado às figuras típicas da concussão e da corrupção passiva[6].

A pena conferida à concussão era de reclusão, de 02 (dois) a 08 (oito) anos, e multa. Por outro lado, o art. 317, que trata da corrupção passiva, prevê pena de reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Tratava-se de evidente desproporcionalidade, pois aquele que exigia (ordenava, impunha), para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que tenha sido da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, teria um apenamento máximo menor do que o agente que apenas solicitasse.

Portanto, em atendimento ao princípio da proporcionalidade, o legislador corrigiu falha que permitia que fosse um crime mais grave (concussão, art. 316, do CPB) punido com menos rigor do que outro crime de menor gravidade (corrupção passiva, art. 317, do CPB).

  1. Conclusão

As alterações trazidas no Código Penal devem ser analisadas com prudência, e a razão é simples – a segurança pública deve ser tratada com a seriedade e a responsabilidade política que se exige e merece.

De fato, o Pacote Anticrime trouxe importantes alterações no Código Penal Brasileiro e, nesse tocante, o que se extrai são mudanças positivas.

Houve ganhos, como no caso dos crimes de concussão e estelionato, sendo as medidas produtivas, ao contrário das alterações promovidas no Código de Processo Penal e Lei de Execuções Penais[7], o que será tratado oportunamente.

Otto Morais

(31) 3261-8083

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[1] Tratado de derecho penal – Porte general, 459-461

[2] [2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm

Art. 25 – Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 14ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018

[4] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 14ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018

[5] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 16. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2019.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito parte especial: arts. 213 a 361 do código penal. 3. ed. Rio de janeiro: Forense, 2019.

[7] Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos.

Art. 83 – O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Art. 116 – Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

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