Consolidação jurisprudencial: medidas atípicas na recuperação de créditos sob a ótica do STJ | por Hugo Araújo para o Portal Migalhas

Como instrumento que visa, primordialmente, garantir a efetividade da Tutela Jurisdicional, o Código de Processo Civil, por meio da previsão aposta no art. 139, Inciso IV[1], dispõe que poderá, o Magistrado, determinar, obviamente sempre de maneira motivada, a realização de medidas que assegurem o cumprimento de determinada Ordem Judicial, incluindo-se, dentre destas hipóteses, Procedimentos Judiciais que impõe a determinado Sujeito obrigação de pagar quantia certa.

É inegável que a finalidade maior dos Procedimentos destacados é a satisfação do Direito do Credor respectivo. O feito Executivo, como de notório conhecimento, é meio coercitivo para alcance de direitos, na medida em que visa compelir o devedor adimplir sua obrigação.

Dentro desta perspectiva, inúmeras discussões têm ocupado as pautas dos principais Tribunais Nacionais envolvendo a aplicabilidade do Dispositivo de Lei acima indicado em Ações de Execução lastreadas em Títulos Judiciais, ou, Extrajudiciais.

Argumenta-se, para tanto, acerca da possibilidade, ou, não, de realização das denominadas Medidas Executivas Atípicas, a exemplo da apreensão do Passaporte do Devedor, suspensão de sua Carteira Nacional de Habilitação e bloqueio de cartões de crédito, nas hipóteses em que frustradas as demais estratégias e tentativas da Parte Credor na constrição ordinária de bens do Devedor.

O Superior Tribunal de Justiça, então, sobre o tema, proferiu importante decisão ao julgar o 1.864.190/SP[2], publicada em junho do ano de 2020, versando sobre diretrizes e requisitos de aplicação das referidas providências processuais extraordinárias, como mecanismo de garantia judicial da satisfação de um titular de direito.

Os Ministros da Terceira Turma da Corte,  por unanimidade, ratificaram os termos do voto da Relatora, por meio do qual foram elencados os parâmetros e balizas que devem ser observados, pelos Magistrados, na aplicação de medidas indiretas, ou, atípicas como forma de pressionar o devedor a quitar sua dívida.

Não raras são as vezes que o Exequente se depara com a impossibilidade de encontrar bens e valores de propriedade, ou, atrelados, ao Devedor para a garantia de seu crédito em razão de manobras de blindagem patrimonial utilizadas para evitar o cumprimento da obrigação de pagar. Inquestionável que a atuação do Executado, além de assoberbar o Poder Judiciário e impedir a efetividade da Tutela Jurisdicional pretendida, gera prejuízo e gastos ao Credor que tenta, incessantemente recuperar o seu crédito.

Sobre o tema, destacam Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini[3]:

(…)o grande problema reside nos casos em que o devedor oculta patrimônio, transfere-o fraudulentamente a terceiros, obstrui o acesso a tais bens ou não colabora minimamente para permitir que os agentes jurisdicionais os apreendam ou para viabilizar a transferência dos bens após a expropriação executiva. Aí está o ponto sensível para o qual as medidas coercitivas atípicas são de fundamental importância na execução para pagamento de quantia. […] essas medidas podem ser adotas para se impor a apresentação de rol de bens penhoráveis, para se obter o acesso ao bem penhorado, para impedir o esvaziamento patrimonial, para permitir que o bem seja buscado e apreendido depois de arrematado – e assim por diante.” (Grifou-se).

Portanto, as denominadas Medidas Atípicas, ou, Indiretas consistem em mecanismos coercitivos que visam constranger e incentivar o Devedor a quitar dívida executada judicialmente.

Tais medidas tem como finalidade criar, ante a inadimplência reiterada, meios que, de certo modo, “incomodem” e coajam psicologicamente o Devedor, a fim de que este proceda com o cumprimento de sua obrigação.

Por muito tempo a questão era vista com bastante sensibilidade pelos profissionais da Justiça, ante a entendimentos consubstanciados no fato de que as medidas indiretas pudessem violar Princípios e Direitos Constitucionais relacionados aos direitos individuais.

E diante do emaranhado de Decisões acerca do tema, nos mais diversos sentidos, a questão, enfim, passou a ser delineada pelo Superior Tribunal de Justiça, como indicado anteriormente.

Inicialmente, o instituto foi recebido com muita cautela e desconfiança pelos aplicadores da Lei, ensejando interpretações diversas acerca da norma que regula tal disposição. Prova disso foram os primeiros posicionamentos sobre a questão da Corte Superior.

A aplicação das Medidas Atípicas sempre foi controversa e causou, no primeiro momento, discussão acerca dos poderes ilimitados atribuídos ao Juiz em detrimento ao receio de violação aos direitos fundamentais.

Dessa forma, com o intuito de pacificar o entendimento, o Tribunal Superior fixou critérios para a aplicação das Medidas Atípicas ao julgar o Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 97.876/SP[4] em decisão publicada em agosto de 2018.

Na oportunidade, observa-se que a maior preocupação da Corte girou em torno da possível violação aos Direitos Individuais garantidos na Constituição Federal, principalmente no que se refere às liberdades individuais, a exemplo da prorrogativa de ir e vir.

Nesse sentido,  determinou-se de forma categórica que as Medidas Atípicas somente seriam aplicadas em caráter subsidiário (esgotadas todas as medidas típicas), após garantido o contraditório e, sempre, mediante prolação de decisão fundamentada, com observância dos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade.

Com o passar o tempo, a Corte passou a flexibilizar o entendimento sobre o tema. Atualmente, já reconhece que a decisão do Magistrado em aplicar, ou, não as Medidas Atípicas, sujeita-se aos entraves do caso concreto, admitindo-se, inclusive, a aplicação das medidas antes mesmo de esgotadas todas as providências típicas, desde que demonstrada a sua necessidade e eficácia.

Veja-se que, ainda no ano de 2018, no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus anteriormente destacado, que o Tribunal Superior esclareceu que “as modernas regras de processo […], ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável.[5].().

Estabeleceu-se, portanto, com base na referida fundamentação, verdadeiro critério para deferimento, ou, não, de providências executivas indiretas, evitando abuso do subjetivismo do Julgador e, ao mesmo tempo, garantindo segurança jurídica aos Jurisdicionados.

A ministra Nancy Andrigh, Relatora foi enfática no sentido de que “a decisão que autorizar a utilização de medidas coercitivas indiretas deve, ademais, ser devidamente fundamentada, a partir das circunstâncias específicas do caso, não sendo suficiente para tanto a mera indicação ou reprodução do texto do art. 139, IV, do CPC/15 ou mesmo a invocação de conceitos jurídicos indeterminados sem ser explicitado o motivo concreto de sua incidência na espécie (art. 489, § 1º, I e II, do CPC/15)..

Afirmou-se, neste sentido, que a previsão do art. 139, IV, do Código de Processo Civil possibilita ao Magistrado “adoção de meios necessários à satisfação da obrigação não delineados previamente no diploma legal”.

Consignou-se que, abandonando a velha perspectiva, o Legislador, claramente, optou por conferirmaior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, e, citando lição de Arruda Alvim[6], reiterou o cabimento e possiblidade de deferimento das denominadas Medias Atípicas. Veja-se: sobre o tema:

A atipicidade dos meios executivos, portanto, “defere ao juiz o poder-dever para determinar medidas de apoio tendentes a assegurar o cumprimento de ordem judicial, independentemente do objeto da ação processual” (ALVIM, Angélica Arruda (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 214 – sem destaque no original). (Grifou-se).

E de forma a elucidar a diferença entre as Medidas Atípicas e as sanções civis de natureza patrimonial, conceitos tão deturpados por Devedores que visavam a desconstituição de Decisões que autorizavam a realização de medidas excepcionais, a Relatora destaca que, em verdade,  ao aplicar a providência não é o corpo do Devedor que passa a responder por suas dívidas, afinal, o deferimento destas visa, unicamente, agir sobre o psicológico do Devedor “para que esse se convença de que o melhor a fazer é cumprir voluntariamente a obrigação” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de obrigação de pagar quantia certa: Art. 139, IV, do novo CPC. Revista de Processo: RePro, São Paulo, n. 264, p. 107-150)”.

A exigência destacada pela Corte Superior, e como não poderia ser diferente, é a observância a critérios Constitucionais, sendo eles o respeito ao Contraditório amplo e a Motivação adequada da Decisão que autoriza a realização das alusivas medidas, conforme disposto no art. 93, Inciso IX, da Constituição de República e art. 489, Inciso II e §1º, da Legislação Processual Civil.

Percebe-se, por todo  exposto, que a evolução acerca do tema tem sido animadora, transformando, portanto, o Procedimento Executivo em meio, enfim, eficaz para perseguição de créditos inadimplidos e instrumento que visa não incentivar o inadimplemento, mas que coíbe as práticas de dilapidação, blindagem e pulverização patrimonial, inclusive mediante elementos psicológicos, como é o caso das providências excepcionais ora tratadas, permitindo que a Tutela Jurisdicional seja, de maneira mais efetiva, alcançada.

As medidas atípicas, indubitavelmente são meios assertivos para propiciar a satisfação do Direito do Credor e, certamente, diante da nova postura dos Tribunais, em muito contribuirão para conferir maior celeridade ao Procedimento Executivo, com o alcance de sua finalidade maior, a saber, a satisfação do Direito do titular do crédito judicialmente perseguido.

                                                                                                                      Hugo Araújo | Advogado no Abi-Ackel Advogados Associados


[1] Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (…).IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. Lei Federal nº 13.105/2015.

[2] Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial nº 1.864.190/SP. Relatoria: Ministra Nancy Andrighi. Publicação:19/06/2020.

[3] WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Custo avançado de processo civil, volume 3. 16 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

[4] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 97.876/SP. Relatoria: Ministro Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Publicação: 09/08/2018.

[5] Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº 97.876/SP. Relatoria: Ministro Vice-Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Publicação: 09/08/2018.

 

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